24 de abril de 2012

A borboleta azul

Três episódios, uma mesma personagem.

Ano de 1999. Alguns meses depois da morte de meu pai, Tarcísio (mano), Kátia (cunhada) e Dona Chica viajam para a Jureia, levar as cinzas de meu velho. Era o passeio que ele estava querendo muito fazer, e não teve tempo. No lugar, uma mistura exuberante de verde, pedras e mar. No momento em que jogam as cinzas, surge do nada uma borboleta enorme, azul.

Dez anos depois, na chácara onde moramos. Desde que Seu José nos deixou, não tínhamos conseguido reunir todos os (sete) filhos do casal num mesmo almoço. Cada um seguiu seu caminho, três de nós moram fora de Sampa. Naquele sábado, estávamos todos juntos. Saio para o jardim. Ao voltar, abro o portão, e passa adiante de mim uma borboleta azul em voo rasante. Era sua primeira aparição cá no recanto.

Semana passada, varanda de nossa casa. Eu decidira passar adiante grande parte de minha coleção de discos. Entre vinis e cedês, mais de cem discos seguiram caminho. Deixam a poeira da estante para cumprir sua verdadeira função, causar prazer. Um exercício de desapego. Um amigo (colecionador que chega ao ponto de lavar os discos, deixar de molho na bacia etc) veio buscar. Vários discos de música erudita, de MPB, de violão clássico, comprados por Seu José, muito tempo atrás. Fiz a triagem, um por um, me despedindo deles. Sem arrependimento. Pelo contrário: tomado por uma sensação de leveza. Terminada a seleção, quem dá um passeio pela varanda? Claro, ela estava de volta. Com um azul mais brilhante do que nunca.

Sinais do sagrado, que não precisa ser buscado no templo.





13 de abril de 2012

Histórias de mãe

A vantagem de ter uma mãe de 87 anos é a quantidade de histórias que ela tem para contar. Em meu caso, junte-se a isso a bênção de ela não ver graça nenhuma em televisão.

Aspas, então, para Dona Chica Fragoso:

1. “Naquela época, eu tinha 11, 12 anos, e era muito comum as fábricas contratarem menores, tudo debaixo dos panos, claro. Nesta indústria em que seu tio trabalhava, tinha um esquema: a fábrica tinha a entrada principal, e a de trás, que dava para a rua do fundo. Quando chegava fiscal, a meninada já sabia o que fazer. Corria em debandada pra rua, pelos fundos. Horas depois voltavam, e começava tudo de novo, até a inspeção na semana seguinte”.

2. “Com 12 anos, eu trabalhava na tecelagem. Havia dois turnos, 5h às 13h e 13h às 21h. Segunda a sábado. Eu trabalhava no turno da manhã. Eu tinha um amigo que fazia o turno da tarde. No sábado, sempre no sábado, ele matava alguém da família, pra não ir trabalhar. Todo sábado morria alguém”. “Nunca se distraiu e matou a mesma pessoa duas vezes, mãe?”. “Não, ele tomava cuidado com isso”.

3. “Eu era bem pequena, e seu avô, na época, tinha um problema sério nos pés. Muita dor, uma dor terrível. Numa dessas, teve que ficar internado 29 dias num hospital. Contou ele que de noite chegava o médico (ou enfermeiro-chefe, não lembro), na enfermaria onde estavam todos – alguns moribundos, outros em situação melhorzinha. Era negrão, tinha um jeito bonachão. Ao chegar, batia palma pra chamar a atenção do povo e dizia: ‘Vamos lá, pessoal! Quem é que vai morrer esta noite? Quem vai morrer, levanta a mão!”

9 de abril de 2012

Façam o que digo...

“Em Cholame, a cerca de 40km de Paso Robles via Hwy 46, há um memorial, próximo ao local onde James Dean, o astro de Juventude Transviada, teve um acidente fatal com seu Porsche, em 30/9/1955, aos 24 anos. Ironicamente, o ator participara havia pouco de uma campanha publicitária na TV, em que afirmava: ‘A estrada não é lugar para dirigir em velocidade. Isso é um verdadeiro assassinato. Lembre-se, dirija com segurança. A vida que você está salvando pode ser a minha’”.

Sei lá por que quis compartilhar o trecho acima, de um livro (*). Ou melhor: desconfio, sim. Por deparar, dia após dia e cada vez mais, com gente virtuosa. Nas redes sociais, nas ruas, onde for. Só gente boa, gente bacana, querendo salvar o mundo. Virtude para consumo externo. Com discurso que convence tanto quanto enredo de telenovela.

(*) Livro que estou traduzindo. Transcrevo assim mesmo, sem contexto. Pois prometi dar detalhes a respeito quando ele tiver sido publicado.