27 de janeiro de 2011

De volta

O post de reestreia iria ao ar amanhã. Já que a conexão lá de casa anda meia-sola, publico hoje, da urbe. Assim já mato a saudade da casa virtual.

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Essa é pra tocar no rádio (8)
Retomo a série, que andava meio abandonada, e teve início em 16/9/2009, aqui.

Il Guarany, ópera de Antônio Carlos Gomes. Com Plácido Domingo, Verónica Villarroel, Chor und Extrachor der Oper der Stadt Bonn e a Orchester der Beethovenhalle Bonn, regidos por John Neschling. Álbum duplo, gravação de 1995.

Reconheço: não sou fã de óperas. Mescla de ignorância do assunto com o fato de não ter tido contato com o gênero, quando piá.

Fato é que este disco tem para mim um profundo valor sentimental. Idos de 1986, eu era membro do Coralusp, quando se decidiu que cantaríamos O Guarani, junto com a Sinfônica de Campinas. Uma meia dúzia de apresentações, em Campinas e em Belém-PA. Foram meses de convivência com o gênero, numa montagem que denunciava um amadorismo invejável (aliás, amador é o termo adequado: valem suas duas acepções), que era compensado por um grande empenho coletivo para que o projeto vingasse.

Lamentavelmente, para muitos O Guarani está associado única e exclusivamente à famigerada Hora do Brasil, programa do governo ainda hoje veiculado em nossas rádios. Inevitável, para alguns, a associação da ópera ao período negro da ditadura militar, já que o programa era (é) de veiculação obrigatória.

Mais um sintoma do descaso cultural a que estamos acostumados: nossa ópera mais famosa, até onde sei, só tem uma única gravação por aqui, feita em 1970, no Teatro Municipal do Rio. Nela, os chiados e as tosses da plateia dão o tom. Com muito custo, ouvi o disco duas vezes. No entanto, a gravação que agora tenho em mãos preenche nossa lacuna musical, e o faz em grande estilo. Destaque para o encarte, que traz o libreto com a letra em quatro línguas: italiano (em que foi composta), inglês, francês e alemão.

Um deleite, 25 anos depois, ouvir e cantar junto trechos do coro dos Caçadores (memória musical prodigiosa, a minha: registra para todo o sempre tudo quanto é linha melódica, de Bach ao Bonde do Tigrão). Vêm à tona inúmeros flashes da montagem que fizemos, bem como lembranças dos tempos de faculdade: tive a sorte grande de topar com Flávio Aguiar, professor de Literatura Brasileira, que nos revelou a beleza do romance de Alencar, no qual a ópera se baseia. Não fora este intermediário, teria ficado nas impressões do senso comum, do tipo “Que exagero de derramamento, esse estilo...”. Nada disso: guiado por Flávio, fizemos um delicioso mergulho no Romantismo.

Um álbum que revela o talento de nosso povo e a riqueza de nossa cultura. Ainda que, ironicamente, esteja voltado a um público que não vive nos trópicos. Mas não há de ser nada: pérolas aos poucos, como diz a canção de Wisnik.

Atualização: no dia 20/março, a gravação de que falo acima estará disponível nas bancas, pela coleção de Óperas recém-lançada pela Folha de S. Paulo. Agora é torcer para que o encarte esteja à altura do original. Muito Poliana de minha parte, essa torcida?