17 de julho de 2012

Game Over

Fiquei um bom tempo pensando no que dizer, nas palavras adequadas para este último post, para fugir de qualquer afetação. Uma boa desculpa, um pretexto convincente que justifique a decisão que tomei. Coisas do estilo... tenho trabalhado demais, me falta tempo, me falta inspiração, essas bossas.


Fato é que não preciso de pretexto. Vim aqui só pra dar uma satisfação aos poucos e fieis leitores que têm me acompanhado nestes meses. Foi muitíssimo bacana, a experiência. Mas, como tudo o mais, tem um ciclo. Trans-Lácio chega ao final de seu ciclo, ponto.

That’s all folks! (Sobem os letreiros e entra a musiquinha do Pernalonga). Valeu!

10 de julho de 2012

Drops


1. Língua. Numa mensagem de e-mail em que Fulano cobrava o atraso na marcação de um exame laboratorial, Sicrano responde, dizendo: “Solicitamos desculpas pelo atraso, mas já está tudo certo”. Hein?

2. Língua (II). Em minha caixa de e-mails: “Translations XYZ está em busca de tradutores. Os interessados estão convidados a carregar seu CV em www.translationsxyz.com”. Sorte que meu CV não pesa muito, benzadeus.


3. Posologia. Quando você se comunica com uma pessoa via e-mail, e lhe diz algo repetidas vezes em relação a uma postura esquisita que ela vem adotando há alguns meses, e nada parece surtir efeito, como administrar o Simancol? Em gotas, drágeas, ou diretamente na veia?

4. Moda. Num trecho do livro que estou traduzindo, a protagonista, de 15 anos, lá pelas tantas vai encontrar seu paquera, e decide vestir “um top leve que, ao mesmo tempo, é esvoaçante e estruturado”. Uau. Até eu chegar nesta expressão, tive de pular miudinho. E continuo com a sensação de que acabo de verter o trecho para o sânscrito.

6 de julho de 2012

A literatura e a passarela

Revista literária internacional, em sua edição brasileira, reúne um júri que elege os 20 maiores escritores jovens brasileiros (com menos de 40 anos).

Eu adoraria saber qual é a diferença fundamental entre esta eleição e um concurso de Miss (Brasil ou Universo).

4 de julho de 2012

Enquete (2)

A trama de Avenida Brasil começa a esquentar. Quando isso acontece, pequenas surpresas e até mesmo reviravoltas inesperadas são muito comuns. Dentre os desdobramentos abaixo, qual lhe parece mais próximo de acontecer, cara leitora?


1. Nina decide fazer um acerto de contas definitivo com seu passado: não irá mais preparar nenhum prato à base de batatas.

2. Suelen, em situação de desespero com sua iminente deportação para a Bolívia, pega carona até São Paulo e, no bairro do Brás, encontra um trabalho de costureira entre seus compatriotas, submetendo-se a jornada de 16 horas diárias e a um salário aviltante.

3. Para desespero de Carminha, Nina inscreve Ágata no concurso Miss Pequena Sunshine Afro, promovido pelo Divino F.C. Para a apresentação, a menina prepara uma coreografia com músicas funk.

4. Max, na fissura total devido à sua “Mega-Sena acumulada” e diante das recusas recorrentes de Nina aos seus convites para acompanhá-lo na sauna, começa a beber de tudo, incluindo uísque nacional, e passa a assediar Zezé.

5. Por indicação de Nina, Tufão começa a ler Grande Sertão: Veredas. Três dias depois, vencido pela linguagem de Rosa, segurando nas mãos dela, na cozinha, admite que está jogando a toalha: “Complicado pa caramba, esse livro, entendeu?”

1 de julho de 2012

Um livro

Acaba de chegar às livrarias: Guia Lonely Planet – Londres (Ed. Globo), do qual fui um dos tradutores. Um dos desafios mais interessantes que já enfrentei. A sofisticação da linguagem no original é de impressionar. Um belo projeto gráfico, resultando num livro que, além das dicas bacanas que traz, dá gosto de folhear. Taí, se você estiver esquentando as turbinas para acompanhar os Jogos Olímpicos, uma boa pedida.


Em tempo: outro guia desta série sairá nos próximos meses. Na época do lançamento, farei alguns comentários sobre a experiência de traduzi-lo.

28 de junho de 2012

Quinze coisas que você jamais deve dizer a um tradutor


O texto original, em inglês, circulou pelo Facebook, e Madame Min fez a gentileza de traduzir. Roubo dela, pois coisas desse tipo têm de circular.

***

Dez coisas que você jamais deve dizer a um tradutor


1- Tenho um parente que estudou fora seis meses. Vou pedir para ele traduzir esse texto.

2- Por que estudar para ser tradutor quando se pode simplesmente usar o Google Translate?

3- Estudei *língua x,y,z* no ensino médio e queria trabalhar como tradutor.

4- Por que você tem tantos dicionários? Um só não bastava?

5- Demora tanto assim traduzir esse texto? Nem é tão grande assim!

6- Você só sabe três línguas?

7- Por que você não estuda (estudou) *língua x,y,z*?

8- Então você trabalha como tradutor em casa? E isso é emprego?

9- Então você é tradutor... Você faz tradução simultânea, né?

10- O que significa *palavra x,y,z*? Você é tradutor, devia saber!

Ela acrescenta (com o meu endosso):


11- Tradutor? Mas tem faculdade pra isso?

12- Você faz tradução juramentada? Ué? Por que não?

13- Puxa, você está bem de vida, né?

14- Por que você não arruma um emprego de verdade?

15- E qualquer afirmação/pergunta que envolva coisas como *rapidinho*, *quebrar um galho*, *currículo de primo*, *manual de jogo do playstation*, *para ontem*, *para amanhã*, *asap*, *R$0,03/palavra*, *desconto*, *ajudinha*, *dar uma força*, *bico* e, last but not least, *você pode me passar o seu glossário de termos médicos?*

***

Mas se você, colega tradutor, não quiser se chatear diante de uma pergunta destas, fica a minha sugestão. Peça ao sujeito verter as seguintes frases para o inglês:

1- Tradução não é um bico.

2- Tradução não é bico.

22 de junho de 2012

Enquete (1)

Você envia uma mensagem de e-mail tratando de um assunto que considera importante, e que envolve certa urgência. Não obtém resposta dentro de um prazo razoável. Por qual das seguintes razões?


a. A pessoa não vê a mínima importância ou urgência no assunto. Afinal, “importância” e “urgência” são conceitos relativos.

b. Para esta pessoa, bom é o papo olho-no-olho (ainda que, no seu caso, isso possa implicar um deslocamento de 80 km), ou via telefone em caso de vida ou morte. Consulta a caixa de e-mails uma vez por semana, e olhe lá.

c. A pessoa é das antigas: preferia que você tivesse lhe enviado uma carta, via ECT, no estilo tradicional. Ou mesmo (que charme!) um telegrama.

d. Ela é ultra-moderna: para ela, e-mail é coisa do passado; agora o papo só rola via Facebook, SMS ou quetais.

e. A pessoa sofre da Síndrome das Noivas: deixá-lo à espera dá um charme extra à situação. E com isso, ela se sente valorizada.

12 de junho de 2012

Dia dos Namorados

Pra mim, sempre foi um mistério que alguém, num dia como o de hoje, fique choramingando pelos cantos por não ter ao lado um(a) pombinho(a). Sofrer de amor pela perda do(a) amado(a)? Tão misterioso quanto.


Eis que, relendo um livro de P. G. Wodehouse, deparo com um trecho oportuno, verdadeiro bálsamo pra quem leva esse tipo de coisa a sério. Nele, Reggie, o narrador, reencontra sua ex-namorada, anos depois. Compartilhando com vocês (texto original: livro sem tradução para o português).

‘Well, fancy meeting you here, Reggie!’

I saw this was the right attitude. After all, the dead past is the dead past. I mean to say, the heavy stuff was over between us. At the time when she had severed relations, the thing had, of course, stuck the gaff into me to quite a goodish extent. I won’t say that I had not been able to sleep or touch food, because I’ve always slept like a log and taken my three square a day, and not even this tragedy could break the habit of a lifetime, but I certainly had felt a bit caught in the machinery. Sombre, if you know what I mean, and unsettled, and rather inclined to read Portuguese Love Sonnets and smoke too much. But I had got over all that ages ago, and we could now meet on a calm, friendly footing.

Laughing Gas, de P. G. Wodehouse, Penguin Books, 1936.



4 de junho de 2012

Na varanda


“Esse blog só tem texto, texto e mais texto... Nada de imagens?” Não se desespere, leitora: temos agora uma bugiganga eletrônica que faz umas fotos beeem bacaninhas. O melhor de tudo é que o fotógrafo não precisa entender xongas do riscado, que a foto sai ótima. Voilà, uma pequena amostra de nosso recanto.

1 de junho de 2012

De árvores e bichos

Entre um capítulo e outro do livro que estou traduzindo, dou uma voltinha pelo terreno. Os limoeiros estão absolutamente carregados, haja musse de limão e salada pra temperar. O abacateiro tampouco dá trégua: e dá-lhe vitaminas, saladas etc. Mulher e eu já estamos ganhando um tom de pele meio esverdeado. Os dois pés de mexerica, também quase arreando. Dizemos aos vizinhos: entrem, sirvam-se, podem se lambuzar. Em vão. A passarada chega na frente.


Chego perto do abacateiro, ouço um inconfundível farfalhar de folhas, vou ver... é uma cena inédita: quatro tucanos bailando, pra cá e pra lá. Paro para observar durante cinco looooongos minutos. Dois deles fazem seu lanchinho, traçando os frutos que só poderíamos catar com escada de bombeiro.

Ainda o Mundo Animal. Borboletas, saíras, quero-queros, beija-flores e tucanos: nunca eles estiveram a uma distância tão curta de mim, como nestes últimos meses. Cá pra mim, isso tem um significado que está longe de ser coisa rasa. E que não se traduz com palavras, é preciso sentir. Mas paro por aqui, para não estragar o post, tentando dar explicações racionais ao que a vida tem de melhor: os mistérios.

29 de maio de 2012

Cacofonia e humor involuntário

Com fusão, Azul e Trip garantem 15% do mercado nacional”. (Manchete num portal da internet, ontem).


O que me fez lembrar de uma frase mui boa, que ouvi há alguns anos:

"Atenção, senhores pais e responsáveis!" (Chamada feita pelo alto-falante, pela diretora de uma escola, numa festa de fim de ano).

24 de maio de 2012

Estreia

Depois de ter traduzido livros sobre vários assuntos (educação, História, música popular, sociologia, autoajuda etc), dou os primeiros passos num caminho diferente.
Tradução de livros de ficção.

Ueba.

Como de hábito, comentarei a experiência só quando o livro tiver sido publicado. Mas adianto que está sendo pra lá de bacana seguir os passos desta protagonista de 15 anos e toda cheia de problemas.

Agora me deem licença, que vou lá fazer a lição de casa: acompanhar os episódios de Gossip Girl. Só pra não correr o risco de colocar “broto”, “uma brasa, mora!” e quejandos na boca dos personagens teens...

23 de maio de 2012

Smiling Cops

“Policiais londrinos terão de sorrir e acenar ao público durante Jogos Olímpicos”. Portal Terra, 23/5/2012.


No way. Me recuso seguir essa instrução aí.

– Como assim, se recusa?

– Pô, esse pessoal não senso de ridículo? Policial sorrindo e acenando para o público?

– Ué, o que tem de mais?

– O que tem de mais? Estamos na Inglaterra, cara! Hello-ou!

– E daí?

– Meu! E o papo do stiff upper lip, como é que fica?

– ...?

– Ok, sei que na hierarquia você está acima de mim, mas vou refrescar tua memória. Neste país, segundo a tradição, a aristocracia (e todos nós temos um pingo desse sangue azul nas veias) foi treinada durante séculos para ocultar e dissimular as emoções. Se você ri pra alguém ou põe um sorrisão aberto na cara, está mandando um sinal: sou molengão, sou todo emotivo, sentimentaloide, podem me fazer de gato e sapato, que não vou reagir. Entra aí o tal treinamento com o modo correto de posicionar os lábios, coisa e tal. Você acha que nossos antepassados colonizaram metade da África, a Índia e o escambau, e se transformaram num império mundial de que jeito? Distribuindo sorrisos e afagos? Se liga, cara! Foi é na base da carranca, cara feia mesmo. Não tinha pra ninguém.

– Ok, mas isso é coisa do passado...

– Do passado?!? Você por acaso já viu os dentes da Thatcher? Do Blair? Do Cameron? Estilão Clint Eastwood, tough men, todos eles! Mas vê só: não é só político, não. Cunhado meu é professor numa escola. Sabe o que o cara ouve, ainda hoje, no treinamento dos professores, no início do ano letivo? Escuta só. “In class, you must not smile until Christmas and must not laugh until Easter”. Pros caras não irem ganhando confiança. Ah, caso você tenha se esquecido do detalhe: as aulas aqui começam em setembro.

– São outros tempos. Depois do babado com o tal do Jean Charles, nossa polícia não é mais a mesma. Esqueceu da cena do policial todo sorridente, que manda os carros pararem, pras pessoas atravessarem? Tem até um brasileiro, um tal de Caetano Veloso, que retratou isso aí numa música: descrevia lá um colega nosso da polícia, todo satisfeito em ajudar as pessoas.... A música é dos anos 60, mas não importa: afinal, o retrô agora está na moda.

– Mas isso é ridículo, meu! Não existe mais.

– É o que temos. Bom, é isso. Já vai treinando no espelho. Sorriso aberto e acenos ao público. E de modo espontâneo, pra não ficar com cara de miss. E vamos lá, põe aí a farda que daqui a pouquinho já começa o treinamento do pelotão.

– Mas...

– Não tem mas nem meio mas. E vai deixando essa carranca de lado. Ô Johnny, põe aí pra tocar aquela do Chaplin!

(Ao fundo) Smile... though your heart is aching.... smile….



17 de maio de 2012

Sem rodeio (*)

Há instantes, encontrei uma ótima ilustração para meu post de ontem. De Ernani Ssó, escritor, em sua coluna semanal no site Coletiva.net.


“Nos meus tempos de editor, felizmente curtos, me entregaram o romance de um político. Eu devia deixar o texto o mais aceitável possível. Lembro de uma cena, que começava mais ou menos assim: ‘O dia começou a entrar no portal da noite, passo a passo sumindo nas sombras inexoráveis’. Isso continuava por mais umas sessenta linhas. Fiz um xis sobre o parágrafo e anotei: ‘Anoiteceu’. O autor, ao se deparar com minha sugestão, estrilou (...)”

(*) Título alternativo: O Programa Linguiça Zero.

16 de maio de 2012

A (falta de) clareza na escrita

Jornal Brasil de Fato – Nos seus textos, é perceptível a intenção de ser entendido. Apesar de muito erudito, sua escrita é simples. Por que esse esforço de ser sempre claro?


Antonio Candido - Acho que a clareza é um respeito pelo próximo, um respeito pelo leitor. Sempre achei, eu e alguns colegas, que, quando se trata de ciências humanas, apesar de serem chamadas de ciências, são ligadas à nossa humanidade, de maneira que não deve haver jargão científico.

***

Defendo que a frase de Antonio Candido (sobretudo a primeira; o grifo é meu) seja colocada em outdoors pelas cidades, em letras garrafais. Que seja veiculada em tudo quanto é mídia, inserida em telejornais, mencionada e comentada pelos professores no início de cada curso, semestre ou ano. Que se torne uma espécie de mantra para todos que lidam com a linguagem escrita.

Isso porque a quantidade de textos obscuros que me têm caído no colo, para revisar, traduzir ou verter para o inglês, tem chegado a níveis alarmantes.

E pensar que estou me referindo, aqui, a indivíduos letrados, com pós-graduações e o escambau...

Mas se têm tal nível de formação, por que tanta obscuridade? Pra que tanto gelo seco no texto (nos shows, ok, cumprem a função de disfarçar visualmente o vazio musical)? Bem, em geral fica nítido que o sujeito não se entende bem com o próprio ego. Aí não tem remédio (Mas tende piedade de nós revisores, Senhor). Muitas vezes, porém, ele simplesmente está ignorando uma regra fundamental para qualquer um que tenha a escrita como ofício: só escreva quando tiver algo relevante a dizer (voilà, acabo de lhes apresentar uma justificativa razoável para os hiatos em meu blog). Caso contrário, aproveite esta excelente oportunidade de ficar calado.

11 de maio de 2012

Um sonho

É quando deparo com os exercícios e as provas de Língua Portuguesa que meu filho tem de enfrentar na 8ª série (e olha que a escola em que ele estuda é altamente conceituada) – e também com alguns (não poucos) textos que me aparecem para revisar – que percebo como este sonho de Sírio Possenti também é o meu. Um sonho que venho alimentando faz tempo.

8 de maio de 2012

O show e as lentes

Blogue não é lugar para textos longos, sei disso. Portanto, quando você chegar ao final do primeiro parágrafo, e começar a perceber sua atenção divagando, pare. Copie, cole, imprima, e leia mais tarde, com calma. Verá por que me dei o trabalho de copiá-lo, devagar, saboreando a releitura, pra compartilhar aqui.


***

Perto das lentes, longe do coração

Por Julio Maria (O Estado de S.Paulo, 28/04/2012)

Assim que Paul McCartney aparece, os celulares são erguidos com movimentos automáticos de braços. Milhares de braços. Mais precisamente, 60 mil deles. Grande parte da plateia ali nunca havia visto um beatle antes e o show que este faria em Florianópolis na última quarta-feira era anunciado como o “mais importante da história da cidade”. Os 30 mil lugares do estádio do Avaí estavam tomados por gente vinda de vários lugares. A TV local falou do assunto o tempo todo. A impressão era de que assim que Paul aparecesse, fãs cairiam enfartados. A emoção de ver um beatle por aquelas terras deixaria um rastro de corpos em convulsão etc. Ok, voltemos aos braços.

Assim que Paul aparece, a reação da plateia é uma louvação que termina quando a primeira canção começa. As pessoas erguem os braços agora para filmar, não mais para aplaudir. Certificam-se de que Paul esteja bem centralizado, de que a câmera esteja estabilizada. Checam o zoom, procuram o melhor ângulo. E Paul lá, mandando uma Magical Mystery Tour turbinada, usada na abertura justamente por seu alto potencial de arrebatamento. Arrebata pouco. Vem outra, Junior’s Farm. Sonzeira que fez com os Wings em 1974. Meio lado B, pouca gente conhece, a passividade merece um desconto. A próxima é All My Loving, um petardo dos Beatles disparado em 1963. Agora vai. Grande parte da plateia embarca, outra grande parte não. Quem tem uma câmera na mão o observa com cuidado e olha feio para quem dança ao lado. Se encostarem nele, seu registro treme.

As plateias dos grandes shows estão merecendo um estudo. São no fundo um monte de nós mesmos reunidos para a mais fascinante das celebrações populares, com características próprias que a diferem das duas outras monumentais reuniões de massa no país: o futebol e a religião. Ao contrário do que se passa nos estádios de futebol, em que o apogeu de uma torcida surge na miséria da outra, a comoção de um show não é erguida sobre disputas. O gol é coletivo quando Hey Jude é cantada por 80 mil vozes. E ao contrário do que se passa nos grandes cultos religiosos, em que o encontro fortalece espíritos que buscam salvação, ninguém faz pacto de posteridade com Bob Dylan ou Eric Clapton. Se quiser receber o que eles ofertam, seja bem-vindo. Serão alguns instantes de felicidade em estado bruto e cheios de demonstrações de amor incondicional antes do retorno à vida real. O fã ama seu ídolo como deveria amar todo mundo, com uma entrega eterna e inabalável que nunca pede nada em troca. Quando se une a outros que sentem o mesmo, se vê multiplicado e poderoso.

Só é chato quando filmar um show fica mais importante do que vivê-lo. E eis aqui a característica menos nobre, que também só se vê em plateias musicais. Ninguém vê um torcedor filmando um jogo de seu time do coração ou um fiel centralizando o padre em sua câmera durante a homilia pela simples razão de que, ali, nada é mais importante para eles do que aquele instante. Se é possível filmar e absorver ao mesmo tempo? Não. Impossível experimentar a plenitude de uma A Day in the Life com uma câmera nas mãos e um ímpeto narcisista na cabeça. Muita gente filma para provar aos amigos que esteve lá. Se sorveu cada segundo daquele momento fazendo com os olhos e o coração uma edição de imagens que câmera nenhuma poderia fazer, não importa. Sua câmera assistiu a um grande show.



2 de maio de 2012

Lost in translation

“A rubbish collector is driving along a street picking up the wheelie

bins and emptying them into his compactor.

He goes to one house where the bin hasn't been left out, and in the

spirit of kindness, and after having a quick look about for the bin,

he gets out of his truck goes to the front door and knocks.

There's no answer.

Being a kindly and conscientious bloke, he knocks again – much harder.

Eventually a Japanese man comes to the door.

"Harro!" says the Japanese man.

"Gidday, mate! Where's ya bin?" asks the collector.

"I bin on toiret," explains the Japanese bloke, a bit perplexed.

Realising the fellow had misunderstood him, the bin man smiles and tries again.

"No ! No ! Mate, Where's your dust bin?"

"I dust been to toiret, I toll you!'' says the Japanese man, still perplexed.

"Listen," says the collector. "You're misunderstanding me. I mean,

where's your wheelie bin?'

"OK, OK. " replies the Japanese man with a sheepish grin, and whispers

in the collector's ear. "I wheelie bin having sex wiffa wife's sista!"



24 de abril de 2012

A borboleta azul

Três episódios, uma mesma personagem.

Ano de 1999. Alguns meses depois da morte de meu pai, Tarcísio (mano), Kátia (cunhada) e Dona Chica viajam para a Jureia, levar as cinzas de meu velho. Era o passeio que ele estava querendo muito fazer, e não teve tempo. No lugar, uma mistura exuberante de verde, pedras e mar. No momento em que jogam as cinzas, surge do nada uma borboleta enorme, azul.

Dez anos depois, na chácara onde moramos. Desde que Seu José nos deixou, não tínhamos conseguido reunir todos os (sete) filhos do casal num mesmo almoço. Cada um seguiu seu caminho, três de nós moram fora de Sampa. Naquele sábado, estávamos todos juntos. Saio para o jardim. Ao voltar, abro o portão, e passa adiante de mim uma borboleta azul em voo rasante. Era sua primeira aparição cá no recanto.

Semana passada, varanda de nossa casa. Eu decidira passar adiante grande parte de minha coleção de discos. Entre vinis e cedês, mais de cem discos seguiram caminho. Deixam a poeira da estante para cumprir sua verdadeira função, causar prazer. Um exercício de desapego. Um amigo (colecionador que chega ao ponto de lavar os discos, deixar de molho na bacia etc) veio buscar. Vários discos de música erudita, de MPB, de violão clássico, comprados por Seu José, muito tempo atrás. Fiz a triagem, um por um, me despedindo deles. Sem arrependimento. Pelo contrário: tomado por uma sensação de leveza. Terminada a seleção, quem dá um passeio pela varanda? Claro, ela estava de volta. Com um azul mais brilhante do que nunca.

Sinais do sagrado, que não precisa ser buscado no templo.





13 de abril de 2012

Histórias de mãe

A vantagem de ter uma mãe de 87 anos é a quantidade de histórias que ela tem para contar. Em meu caso, junte-se a isso a bênção de ela não ver graça nenhuma em televisão.

Aspas, então, para Dona Chica Fragoso:

1. “Naquela época, eu tinha 11, 12 anos, e era muito comum as fábricas contratarem menores, tudo debaixo dos panos, claro. Nesta indústria em que seu tio trabalhava, tinha um esquema: a fábrica tinha a entrada principal, e a de trás, que dava para a rua do fundo. Quando chegava fiscal, a meninada já sabia o que fazer. Corria em debandada pra rua, pelos fundos. Horas depois voltavam, e começava tudo de novo, até a inspeção na semana seguinte”.

2. “Com 12 anos, eu trabalhava na tecelagem. Havia dois turnos, 5h às 13h e 13h às 21h. Segunda a sábado. Eu trabalhava no turno da manhã. Eu tinha um amigo que fazia o turno da tarde. No sábado, sempre no sábado, ele matava alguém da família, pra não ir trabalhar. Todo sábado morria alguém”. “Nunca se distraiu e matou a mesma pessoa duas vezes, mãe?”. “Não, ele tomava cuidado com isso”.

3. “Eu era bem pequena, e seu avô, na época, tinha um problema sério nos pés. Muita dor, uma dor terrível. Numa dessas, teve que ficar internado 29 dias num hospital. Contou ele que de noite chegava o médico (ou enfermeiro-chefe, não lembro), na enfermaria onde estavam todos – alguns moribundos, outros em situação melhorzinha. Era negrão, tinha um jeito bonachão. Ao chegar, batia palma pra chamar a atenção do povo e dizia: ‘Vamos lá, pessoal! Quem é que vai morrer esta noite? Quem vai morrer, levanta a mão!”

9 de abril de 2012

Façam o que digo...

“Em Cholame, a cerca de 40km de Paso Robles via Hwy 46, há um memorial, próximo ao local onde James Dean, o astro de Juventude Transviada, teve um acidente fatal com seu Porsche, em 30/9/1955, aos 24 anos. Ironicamente, o ator participara havia pouco de uma campanha publicitária na TV, em que afirmava: ‘A estrada não é lugar para dirigir em velocidade. Isso é um verdadeiro assassinato. Lembre-se, dirija com segurança. A vida que você está salvando pode ser a minha’”.

Sei lá por que quis compartilhar o trecho acima, de um livro (*). Ou melhor: desconfio, sim. Por deparar, dia após dia e cada vez mais, com gente virtuosa. Nas redes sociais, nas ruas, onde for. Só gente boa, gente bacana, querendo salvar o mundo. Virtude para consumo externo. Com discurso que convence tanto quanto enredo de telenovela.

(*) Livro que estou traduzindo. Transcrevo assim mesmo, sem contexto. Pois prometi dar detalhes a respeito quando ele tiver sido publicado.

28 de março de 2012

Millôr e as traduções

Ele vai fazer falta. Como homenagem, a lembrança de algumas de suas “traduções televisivas”.

1. Questo oro é di lei? – Isto é ouro de lei?

2. Rez-de-chaussée – O rei do calçado.

3. Consummatum est – Consumação incluída.

4. Cover girl – A moça da cobertura

5. Cogito, ergo sum – Cogito de levantar uma gaita.

6. Dolce far niente – Não tem sobremesa.


Millôr definitivoA bíblia do caos, L&PM, 1994.

22 de março de 2012

Cadê o piloto?

1. Você recebe um e-mail de um cidadão que lhe escreve pela primeira vez: “Bom dia, fulano. Como vai você hoje?” Hein?!? Sacode a cabeça: como assim, hoje?. De que planeta estará escrevendo, o indivíduo? Google Translator strikes again.

2. Você é revisor, e na leitura dos textos (teses, artigos de jornal, revista, não importa: tá tudo dominado), depara com uma profusão de maiúsculas nos títulos de livros, CDs e demais obras. Um exemplo, obra de Woody Allen: Tudo O Que Você Queria Saber Sobre Sexo E Tinha Vergonha De Perguntar. A poluição visual o deixa atordoado, e você vai ceifando as letras, uma a uma.

3. Abre sua caixa de e-mails, e lá encontra um, que vai direto ao assunto: “Gostaríamos de saber de sua disponibilidade para um trabalho de tradução etc etc”. (Em geral, a gramática é bem mais manca do que neste exemplo, mas vá lá). Assim, à queima-roupa, sem olá, sem bom dia, nada. Você não é dado a salamaleques, mas a abordagem lhe põe um pulgão atrás da orelha.

4. Entra na padaria da cidade, onde almoça duas vezes ao mês. Vem o garçom: “Já pediu, meu patrão?” Minutos depois: “Aqui está. Mais alguma coisa, meu patrão?”. Ao final: “Obrigado, até logo, meu patrão”. Você tem o ímpeto de dar o aviso prévio ao cidadão. Justa causa.

5. Regularmente, você recebe e-mails de certa pessoa. Pela 30ª vez, ela não acerta a grafia de seu nome. Seu nome tem apenas 4 letras, e invariavelmente ela erra uma delas, o que significa 25% ! E não estamos falando, aqui, de exemplos extremos (e verídicos), como Christyanne.

Alguma destas cenas do cotidiano tira você do sério? Provoca alguma reação em você? Uma gargalhada, pelo menos? Sei não, a impressão é de que a língua está sendo usada no piloto automático.

19 de março de 2012

Caronas Inteligentes

Soube deste serviço há alguns dias, por uma matéria veiculada no canal GloboNews. Para quem vê o trânsito de uma cidade como São Paulo caminhando a passos lentos e seguros na direção do caos total, é um bálsamo descobrir iniciativas como esta. Que devem ser compartilhadas.

O site é este aqui, o Caronetas – Caronas inteligentes. Basicamente, um serviço de caronas urbano. O usuário se cadastra na página da internet deles e, quando quer oferecer uma carona, coloca a informação no site. Quem deseja pegar carona, faz a procura também pelo site.

Exemplo hipotético: se estou na Vila Madalena e vou diariamente para meu escritório na Vila Olímpia, me basta digitar o CEP da rua onde moro e o CEP da rua do destino. Na hora, fico sabendo se tem alguém que faz o mesmo trajeto, e que more perto de mim.

Tudo gratuito. Não se gasta um centavo para o registro. Há empresas patrocinando o site, entre elas o Banco do Brasil e a TAM. Detalhe: aparentemente, pessoas físicas não podem fazer o cadastro, apenas empresas. Não ficou claro, porém, se micro-empresas também podem se cadastrar. Tudo indica que não há empecilho algum.

A reportagem da TV deu as estatísticas: o serviço já tem 800 empresas cadastradas, com 20 mil empregados podendo usufruir das caronas.

Achei uma sacada genial, a iniciativa. Que me trouxe boas lembranças de um serviço semelhante que usei, muitos anos atrás, indo de carona de uma cidade a outra, no interior da Alemanha. Pequena diferença: lá, precisei dar uma pequena ajuda de custo ao motorista, para o combustível. No Caronetas, custo zero.

Em tempo: não estou ganhando um tostão com esta divulgação. É puro entusiasmo. E olhe que nem moro nesta cidade!

Gostou do que leu? Então, compartilhe!

18 de março de 2012

Sem piscar

Desafios deste tipo é que fazem a diversão do tradutor. Lembrando que a orientação do editor é tentar manter o texto em português com o mesmo tamanho do original. Em certos casos, tarefa quase impossível. Tenta-se manter o espírito da coisa.

Pois bem, na descrição de uma cidade, aparece lá:

A blink-and-you-missed it town.

Uau.

Diga lá, leitor, a alternativa que lhe soa melhor:

1. Uma micro-cidadezinha

2. Uma cidade minúscula.

3. Uma cidade tipo “piscou, perdeu”.

4. Uma cidade tipo “piscou, já era”.

5. Uma cidade de primeira (engatou a segunda, acabou a cidade).

10 de março de 2012

Submerso

Nestes dias, pensei várias vezes em vir aqui batucar algumas linhas, comentar coisas como, por exemplo, o recente artigo de Luís Giron na revista Época, sobre o trabalho dos tradutores, e a repercussão que o texto tem tido (caso tenha interesse, dê uma espiadela no Facebook, no portal de Denise Bottmann).

Fato é que a tradução bola-da-vez não me deixa pensar noutro assunto. Ao deparar com a sofisticação da linguagem dos autores deste livro, minha primeira reação foi

Pooooooatzzz! Será que consigo encarar?

Mas é esse frio na barriga inicial que me leva adiante. Sempre. Sem ele, seria o tédio total. Santo desafio, Batman!, como diria o menino-prodígio.

Taí, está é apenas uma satisfação a você, teimoso leitor, que insiste em passar por aqui, ver se tem algo de novo. Estou completamente atolado, mas logo volto à superfície. E, mais adiante, falo deste livro e da experiência de traduzi-lo.

26 de fevereiro de 2012

A previsão e o aguardo

Ligo para o setor de atendimentos da companhia de seguros da charanga da Mulher, que nos promete enviar o guincho em 1 hora. Quinze minutos depois, recebo o SMS no celular:


“Seguradora xxxxxxx informa. O socorrista Denílson partiu de Taboão da Serra e chegará dentro da previsão.”

Campuseiro, frentista, socorrista... Sufixos tiram leite de pedra em nossa língua, não?

E “previsão” deve ser um lugar bem próximo de “aguardo” (aquele da frase “Fico no aguardo”).

Wim Wenders e aprendenders.

19 de fevereiro de 2012

Estação Terminal

Bato os olhos num texto da área médica, e deparo com o seguinte trecho: “... dentre os 2.500 pacientes operados, 8% deles foram a óbito”.

Hein?

Ok, compreensível que cada área do conhecimento tenha seu jargão específico. Que o digam o juridiquês, o economês, e a linguagem cifrada de várias outras áreas.

Mas... ir a óbito?

Claro que eu não esperava topar com uma frase do tipo “... bateram as botas”, “... abotoaram o pijama de madeira”, “... subiram pro primeiro andar”, “... passaram desta pra melhor”, “... não estão mais entre nós”, ou “... foram ao encontro da Indesejada das Gentes” (e claro que eu daria pulos de alegria, se isso acontecesse).

Ok, mas... ir a óbito?

Devaneios da imaginação: uma estação de trem numa cidadezinha no meio do nada. Na placa caindo aos pedaços, em letras garrafais: “ÓBITO”. Ao fundo, resfolegando, o trem chega trazendo os doentes. Estação Terminal Óbito. Solicitamos a todos que desembarquem nesta estação.

Por que não aprendi a desenhar?

17 de fevereiro de 2012

De escolas e penitenciárias

Faz pouco tempo que atinei pra essa mudança. Na época em que filhote passou para a 5ª série. Ao observar o padrão de comportamento do sono de uma pessoa em fase de crescimento, você nota que à medida que seu corpo cresce, as horas e qualidade de seu sono passam a ser cada vez mais importantes (lembro hoje de minhas siestas de looooongas horas, durante toda a adolescência; meus pais, um casal iluminado, me poupavam das trocentas atividades "extra-curriculares", que me "preparariam para o futuro". Intuíram: fora da escola, "o cara precisa brincar".) Pois bem. O sujeito completa 11 anos, e o que decidem os sábios responsáveis pelo sistema educacional? O aluno, que até então estudava no período da tarde, tem o horário invertido: deve agora madrugar. Enquanto isso, os menores entre 4 e 10 anos pulam da cama com toda a energia do mundo às 6h da matina, para fazer o quê, até a hora de ir para a escola? Nada, claro, a não ser azucrinar os pais.


São provas suficientes de sadismo, ou você quer mais exemplos? Tem mais.

Neste “segundo lar” (há quem use tal expressão, ainda?), o aluno convive, durante 11 anos, com um léxico pra lá de revelador. Alguns exemplos: disciplina, inspetor, delegacia (de ensino), grade (curricular). Não é uma beleza, a semelhança com o vocabulário das prisões? Se contratar alguns carcereiros e permitir aos detent... ops, aos alunos a fabricação de terezas, se instalar algumas redes eletrificadas por cima dos muros (em muitos casos, a altura já é adequada) e algumas guaritas... voilà, a distinção entre escola e casa de detenção será mínima. E podem contar: não demora, surge alguém dando a ideia de alterar o nome do intervalo, de recreio para hora do banho de sol.

Agora, é torcer pra que não adotem a revista íntima e o uso da tornozeleira.

14 de fevereiro de 2012

Um blog

Descoberta recente, que compartilho: o blog “Sobre palavras”, de Sérgio Rodrigues (do finado e excelente site NoMínimo). Link na relação ao lado. Destaque para o texto “Chamar liquidação de ‘sale’ é coisa de bocó”.

11 de fevereiro de 2012

A arte de lidar com o ego

1.       Stardust Memories, de Woody Allen (Memórias, na infeliz tradução brasileira, ou Recordações, na versão portuguesa), de 1980.
2.      Valter Ego, personagem de Angeli, anos 1980.
3.      Beatriz, livro de Cristóvão Tezza (Ed. Record), de 2011.

O que têm em comum, as três criações?
Vejamos. O filme que W. Allen lançara um ano antes, Manhattan, foi elevado à categoria de cult. O diretor nunca foi tão badalado e assediado. No ano seguinte, tematiza em Stardust Memories a transformação de um diretor em celebridade do mundo do cinema. Tirando um tremendo sarro do episódio todo, para deleite de quem o acompanha, sabe de sua aversão aos holofotes e conhece seu autodeboche característico.
Valter Ego. Angeli, numa entrevista dos anos 90, se a memória não me trai, comenta o contexto em que se deu a criação do personagem. Diz que estava num momento de pico na carreira profissional, e estava começando a se achar o maioral. Para poder lidar com as ilusões proporcionadas pela paparicação generalizada e pela fama (lembram-se do baita sucesso do gibi Chiclete com Banana, anos 80?), deu vida ao topetudo Valter Ego.   
Cristóvão Tezza. Seu livro O filho eterno, de 2007, rapou todos os prêmios literários do ano seguinte. O escritor ganhou projeção nacional, que aliás não se limitou ao Brasil. A obra foi vertida para o inglês (por Alison Entrekin, a mesma que verteu Cidade de Deus) e publicada pela Ed. Scribe, na Austrália. Pois bem, em 2011, Tezza publica Beatriz. Logo nas primeiras páginas, a longa e impactante fala do escritor-personagem Paulo Donetti (uma impiedosa autocrítica) diante da plateia de um evento literário faz um contraponto na medida justa à situação vivida pelo escritor, de ter sido alçado ao status de celebridade.
Como veem, o que acabo de escrever não passa de um aperitivo. Assistam ao filme. Revisitem as tirinhas de Angeli. Leiam ambos os livros de Tezza. Belos exemplos da habilidade destes artistas para lidar com o fumacê produzido pelo ego.

7 de fevereiro de 2012

Unplugged

Caminhada de quinze minutos até a cachoeira, para um rápido descarrego. Continuando pela estrada de terra, dois dedos de prosa à beira da cerca com proprietário de terreno (“vendo chácara: 9 mil metros; ou alugo para eventos evangélicos”). Baixinho e parrudo, apara o gramado todo no muque, sozinho. E ainda entrega pão quentim nas casas (para quem vive isolado, a alternativa do Disque-França é perfeita). Prossegue a caminhada, com trilhas no meio da mata. Seis quilômetros depois, estirar-se no sofá da sala de bestar. Ambiente pelo menos 10ºC mais fresco do que o externo.
Fim de tarde, comer jabuticaba no pé (completamente carregado), e fazer mini-colheita antes que os passarinhos façam a rapa, como no ano passado. E um ping-pong na varanda pra tirar a ferrugem.
Os benefícios de uma conexão de internet meia-sola.

31 de janeiro de 2012

A profissão de tradutor

Matéria sobre a profissão de tradutor, no Estadão de hoje, aqui. Há trocentos aspectos que Cedê Silva poderia ter abordado para rechear o texto, mas ok, serviu como aperitivo.

25 de janeiro de 2012

O mau tradutor de manuais

Crônica deliciosa, publicada no guia Divirta-se do Estadão. Compartilho, e pego uma carona: verdade, Belchior tampouco compôs “Medo de aeronave”.
***
Ovni
De Ricardo Freire
“Informamos que devido à mudança de posicionamento da aeronave o seu embarque, quando efetuado, será realizado pelo portão 9.”
Eis uma frase que deixa possesso qualquer passageiro. Mas o que a mim incomoda mais nem é zanzar pela sala de embarque. É ouvir “aeronave” em vez de “avião”. Eu sei, você nem nota. Uma companhia aérea chamar avião de aeronave é a coisa mais natural do mundo. Aposto que de vez em quando você deixa escapar um “aeronave” sem querer.
Quem foi o infeliz que fez isso com você? Provavelmente um mau tradutor de manuais. Os maus tradutores de manuais são os responsáveis pela maioria das palavras mal contrabandeadas para o português. Esse “aeronave” decerto vem de uma tradução de “aircraft”. Em inglês até para entender o porquê de não usarem “airplane” – pode ser que soe “aeroplano”, algo que lembra mais teco-teco do que jato.
Só que em português do Brasil a gente não voa – a gente “vai de avião”. “Aeronave é algo frio e desprovido de charme – o equivalente aéreo de um “automóvel”, ou uma “embarcação”. Tom Jobim não compôs o “Samba da Aeronave”. Uma mulher – perdão – gostosa não é chamada de “uma aeronave”. Quando você quer fazer o nenê comer o papá, você não fala “Olha a aeronavezinha!”.
Tudo bem – eu seu que muita gente tem medo de avião, e que talvez usar um eufemismo possa ser útil nessa hora. Mas desde que a palavra escolhida não lembre justamente “objeto voador”, concorda?
Além do quê, é impossível não ter medo de uma coisa que o tempo todo é “reposicionada”. Por que não trocam o “devido ao reposicionamento da aeronave” por um simples pedido de desculpas? Sugestão: “Atenção passageiros do voo tal. Pedimos desculpas, mas o seu embarque mudou para o portão 9.” Pronto! Perdi o medo!
Eu mantenho o otimismo, porque sou do tempo em que todas as companhias aéreas falavam “é um prazer tê-lo tido a bordo”. Se o tê-lo tido, que parecia ter estabilidade no emprego, já dançou, não é impossível pensar na aposentadoria da “aeronave”.
Um brasileiro inventou o avião, não a aeronave. Os aeroportos não ficarão prontos para a Copa, mas até lá pelo menos podemos voltar a falar “avião”. Vamolá, Brasil!

24 de janeiro de 2012

Elogio à dificuldade

Encontro um amigo que, no meio da conversa, faz o comentário:
– Meu emprego está longe de ser meu sonho de consumo, mas... eu ganho bem, e além disso, o trabalho é fácil.
No dia seguinte, o universo me sopra a resposta que eu não dei a ele:
“... Os homens, com o auxílio das convenções, resolveram tudo facilmente e pelo lado mais fácil da facilidade; mas é claro que nós devemos agarrar-nos ao difícil. Tudo o que é vivo se agarra a ele, tudo na natureza cresce e se defende segundo a sua maneira de ser (...). Sabemos pouca coisa, mas que temos de nos agarrar ao difícil é uma certeza que não nos abandonará. É bom estar só, porque a solidão é difícil. O fato de uma coisa ser difícil deve ser um motivo a mais para que seja feita”.
Cartas a um jovem poeta, de Rainer Maria Rilke (trad. Paulo Rónai).

19 de janeiro de 2012

Uma entrevista com Drummond

Entrevista com Carlos Drummond de Andrade, por Nanete Neves, em 1977. O poeta tinha 75 anos. Retirada daqui.
1.  O que a vida lhe ensinou até agora?
Creio que a vida terá me ensinado o que normalmente ensina a qualquer um: a abrir mão de determinadas ilusões, a olhar com maior indulgência as pessoas, a buscar compreender melhor os fatos. Um misto de indulgência e desencanto. Acho que consegui mais ou menos este resultado, sem renunciar a alguns valores básicos: o respeito à personalidade humana e o amor à liberdade. Não estou me gabando disto. Estou rendendo graças à vida, que não me levou a abrir mão desses valores.

2. Qual a fórmula para se viver aparentemente afastado dos outros, e ao mesmo tempo mostrar no que escreve uma participação e observação tão ativas?
Não me considero afastado dos outros, mesmo aparentemente. Saio invariavelmente à rua todos os dias, sou encontrável no ônibus, na livraria, no café, no papo de rua, na Biblioteca Nacional e pelo telefone. Apenas não apareço em festas e reuniões, que me atordoam um pouco. E se não recebo muito em casa, é porque ela é também meu local de trabalho. E me comunico com muitos amigos, leitores e estudantes, por meio de cartas. Gosto de responder cartas, acho isso uma obrigação natural. Além disso, mantenho há 23 anos uma coluna de jornal, o que é uma forma de conversar com o maior número de pessoas ao mesmo tempo. Pessoas que tanto aprovam como desaprovam o que lhes digo, e que costumam exprimir suas reações. Acontece que muita gente pensa que devemos estar sempre de plantão para atendê-las. Infelizmente a vida não é desta opinião, e limita com avareza as nossas horas.

3.  O poeta Drummond acredita que os jovens estejam se afastando da literatura?
Não tenho elementos para afirmar ou negar que os jovens estejam se afastando da literatura. Se eles lêem pouco, pelo menos vivem muito a vida intensa de hoje. E o que está mais ao alcance deles é a imagem e o som, não a letra impressa. Há um problema de ensino, um problema de educação, um problema de economia, um problema de ordem social, tantos problemas em torno da questão jovem e leitura. Eu penso que nós não estamos sabendo o que fazer diante da juventude, e ela muito menos sabe o que vai fazer. O caso da leitura é só um detalhe da imensa questão geral. E se os mais velhos reciclassem a sua sabedoria?

4.  Qual a sua mensagem aos jovens de sua nação?
Não tenho mensagem alguma para os moços. Não sou político nem educador nem reformador. Eu gostaria de ser moço também, mas não gostaria de receber mensagens dos velhos.
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17 de janeiro de 2012

P ou H

– É pê ou agá?
Sou pego de surpresa pela pergunta da velhinha. Feita à queima-roupa, quando eu estava prestes a descer do ônibus.
P ou H? De que catzo ela estará falando? Fiz cara de paisagem e balbuciei um “Como?”
– É pê ou agá, esse ônibus?
Imagine o sufoco por que passa um gringo. Anos a fio estudando o português para, súbito, deparar com uma pergunta dessas.
Em frações de segundo, reviro os arquivos da memória, tentando ligar os pontos e decifrar o enigma.
Cacos de informação: o ônibus está a caminho do campus universitário. P e H. Será uma agrônoma, querendo detalhes sobre acidez do solo, pH, essas bossas? Mas àquela hora da manhã? Improvável. É pê ou agá? Duas linhas e duas rotas diferentes, deve ser isso... Mas que linhas, meu Deus? Joguei a toalha:
– Ahn, não sei direito, precisa perguntar ao cobrador.
Desembarco e reparo na plaqueta por detrás do busão: 701-U.
Nem pê nem agá. Ônibus já acelerando, me contive pra não dar um berro:
– É “U” !!
Como acompanhar o espantoso poder de síntese do cérebro feminino?

11 de janeiro de 2012

Mais uma coisa...

O plano era que o blogueiro estivesse no meio das férias. Fato é que toda decisão que tomo e toda conclusão a que chego acabam tendo uma validade de, em média, meia hora. Se muito. Taí, o grande barato da vida.
Desta vez rolou um episódio que uma amiga classificaria de hot sync. Partilho contigo, leitor.
Mulher e eu assistíamos à TV Cultura, quando começou a passar um clipezinho educativo. Um casal de jovens pescava e papeava. O rapazote fica indignado com o fato de a empregada ter esquecido de colocar o lanche deles na cesta, algo assim. Uma indignação fake, mas ok. Dali a instantes, a garota começa a adverti-lo sobre o uso correto dos pronomes, que ele tinha empregado. Coisas como “eu o vi”, em vez de “eu vi ele” e quejandos. Passou-lhe um pito para que aprendesse como usar corretamente a língua “em situações formais que pedem o uso da norma culta”.
Isso mesmo. Diálogo que aconteceu durante uma pescaria.
Pasmo total. Assombro. 
Ok. Dia seguinte, estou navegando à deriva na internet, quando deparo com a prova do vestibular que rolara na véspera. Numa das questões da prova de Língua Portuguesa, uma declaração de Monteiro Lobato:
“A correção da língua é um artificialismo, continuei episcopalmente. O natural é a incorreção. Note que a gramática só se atreve a meter o bico quando escrevemos. Quando falamos, afasta-se para longe, de orelhas murchas”.  
Alma lavada, ufa!

4 de janeiro de 2012

Férias

O blogueiro entra em férias. Tradutor, revisor e assemelhados (gosto desta categoria, dá um ar exótico à profissão) continuam na ativa.
Volto no fim de janeiro. Até lá.