26 de fevereiro de 2012

A previsão e o aguardo

Ligo para o setor de atendimentos da companhia de seguros da charanga da Mulher, que nos promete enviar o guincho em 1 hora. Quinze minutos depois, recebo o SMS no celular:


“Seguradora xxxxxxx informa. O socorrista Denílson partiu de Taboão da Serra e chegará dentro da previsão.”

Campuseiro, frentista, socorrista... Sufixos tiram leite de pedra em nossa língua, não?

E “previsão” deve ser um lugar bem próximo de “aguardo” (aquele da frase “Fico no aguardo”).

Wim Wenders e aprendenders.

19 de fevereiro de 2012

Estação Terminal

Bato os olhos num texto da área médica, e deparo com o seguinte trecho: “... dentre os 2.500 pacientes operados, 8% deles foram a óbito”.

Hein?

Ok, compreensível que cada área do conhecimento tenha seu jargão específico. Que o digam o juridiquês, o economês, e a linguagem cifrada de várias outras áreas.

Mas... ir a óbito?

Claro que eu não esperava topar com uma frase do tipo “... bateram as botas”, “... abotoaram o pijama de madeira”, “... subiram pro primeiro andar”, “... passaram desta pra melhor”, “... não estão mais entre nós”, ou “... foram ao encontro da Indesejada das Gentes” (e claro que eu daria pulos de alegria, se isso acontecesse).

Ok, mas... ir a óbito?

Devaneios da imaginação: uma estação de trem numa cidadezinha no meio do nada. Na placa caindo aos pedaços, em letras garrafais: “ÓBITO”. Ao fundo, resfolegando, o trem chega trazendo os doentes. Estação Terminal Óbito. Solicitamos a todos que desembarquem nesta estação.

Por que não aprendi a desenhar?

17 de fevereiro de 2012

De escolas e penitenciárias

Faz pouco tempo que atinei pra essa mudança. Na época em que filhote passou para a 5ª série. Ao observar o padrão de comportamento do sono de uma pessoa em fase de crescimento, você nota que à medida que seu corpo cresce, as horas e qualidade de seu sono passam a ser cada vez mais importantes (lembro hoje de minhas siestas de looooongas horas, durante toda a adolescência; meus pais, um casal iluminado, me poupavam das trocentas atividades "extra-curriculares", que me "preparariam para o futuro". Intuíram: fora da escola, "o cara precisa brincar".) Pois bem. O sujeito completa 11 anos, e o que decidem os sábios responsáveis pelo sistema educacional? O aluno, que até então estudava no período da tarde, tem o horário invertido: deve agora madrugar. Enquanto isso, os menores entre 4 e 10 anos pulam da cama com toda a energia do mundo às 6h da matina, para fazer o quê, até a hora de ir para a escola? Nada, claro, a não ser azucrinar os pais.


São provas suficientes de sadismo, ou você quer mais exemplos? Tem mais.

Neste “segundo lar” (há quem use tal expressão, ainda?), o aluno convive, durante 11 anos, com um léxico pra lá de revelador. Alguns exemplos: disciplina, inspetor, delegacia (de ensino), grade (curricular). Não é uma beleza, a semelhança com o vocabulário das prisões? Se contratar alguns carcereiros e permitir aos detent... ops, aos alunos a fabricação de terezas, se instalar algumas redes eletrificadas por cima dos muros (em muitos casos, a altura já é adequada) e algumas guaritas... voilà, a distinção entre escola e casa de detenção será mínima. E podem contar: não demora, surge alguém dando a ideia de alterar o nome do intervalo, de recreio para hora do banho de sol.

Agora, é torcer pra que não adotem a revista íntima e o uso da tornozeleira.

14 de fevereiro de 2012

Um blog

Descoberta recente, que compartilho: o blog “Sobre palavras”, de Sérgio Rodrigues (do finado e excelente site NoMínimo). Link na relação ao lado. Destaque para o texto “Chamar liquidação de ‘sale’ é coisa de bocó”.

11 de fevereiro de 2012

A arte de lidar com o ego

1.       Stardust Memories, de Woody Allen (Memórias, na infeliz tradução brasileira, ou Recordações, na versão portuguesa), de 1980.
2.      Valter Ego, personagem de Angeli, anos 1980.
3.      Beatriz, livro de Cristóvão Tezza (Ed. Record), de 2011.

O que têm em comum, as três criações?
Vejamos. O filme que W. Allen lançara um ano antes, Manhattan, foi elevado à categoria de cult. O diretor nunca foi tão badalado e assediado. No ano seguinte, tematiza em Stardust Memories a transformação de um diretor em celebridade do mundo do cinema. Tirando um tremendo sarro do episódio todo, para deleite de quem o acompanha, sabe de sua aversão aos holofotes e conhece seu autodeboche característico.
Valter Ego. Angeli, numa entrevista dos anos 90, se a memória não me trai, comenta o contexto em que se deu a criação do personagem. Diz que estava num momento de pico na carreira profissional, e estava começando a se achar o maioral. Para poder lidar com as ilusões proporcionadas pela paparicação generalizada e pela fama (lembram-se do baita sucesso do gibi Chiclete com Banana, anos 80?), deu vida ao topetudo Valter Ego.   
Cristóvão Tezza. Seu livro O filho eterno, de 2007, rapou todos os prêmios literários do ano seguinte. O escritor ganhou projeção nacional, que aliás não se limitou ao Brasil. A obra foi vertida para o inglês (por Alison Entrekin, a mesma que verteu Cidade de Deus) e publicada pela Ed. Scribe, na Austrália. Pois bem, em 2011, Tezza publica Beatriz. Logo nas primeiras páginas, a longa e impactante fala do escritor-personagem Paulo Donetti (uma impiedosa autocrítica) diante da plateia de um evento literário faz um contraponto na medida justa à situação vivida pelo escritor, de ter sido alçado ao status de celebridade.
Como veem, o que acabo de escrever não passa de um aperitivo. Assistam ao filme. Revisitem as tirinhas de Angeli. Leiam ambos os livros de Tezza. Belos exemplos da habilidade destes artistas para lidar com o fumacê produzido pelo ego.

7 de fevereiro de 2012

Unplugged

Caminhada de quinze minutos até a cachoeira, para um rápido descarrego. Continuando pela estrada de terra, dois dedos de prosa à beira da cerca com proprietário de terreno (“vendo chácara: 9 mil metros; ou alugo para eventos evangélicos”). Baixinho e parrudo, apara o gramado todo no muque, sozinho. E ainda entrega pão quentim nas casas (para quem vive isolado, a alternativa do Disque-França é perfeita). Prossegue a caminhada, com trilhas no meio da mata. Seis quilômetros depois, estirar-se no sofá da sala de bestar. Ambiente pelo menos 10ºC mais fresco do que o externo.
Fim de tarde, comer jabuticaba no pé (completamente carregado), e fazer mini-colheita antes que os passarinhos façam a rapa, como no ano passado. E um ping-pong na varanda pra tirar a ferrugem.
Os benefícios de uma conexão de internet meia-sola.