31 de janeiro de 2012

A profissão de tradutor

Matéria sobre a profissão de tradutor, no Estadão de hoje, aqui. Há trocentos aspectos que Cedê Silva poderia ter abordado para rechear o texto, mas ok, serviu como aperitivo.

25 de janeiro de 2012

O mau tradutor de manuais

Crônica deliciosa, publicada no guia Divirta-se do Estadão. Compartilho, e pego uma carona: verdade, Belchior tampouco compôs “Medo de aeronave”.
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Ovni
De Ricardo Freire
“Informamos que devido à mudança de posicionamento da aeronave o seu embarque, quando efetuado, será realizado pelo portão 9.”
Eis uma frase que deixa possesso qualquer passageiro. Mas o que a mim incomoda mais nem é zanzar pela sala de embarque. É ouvir “aeronave” em vez de “avião”. Eu sei, você nem nota. Uma companhia aérea chamar avião de aeronave é a coisa mais natural do mundo. Aposto que de vez em quando você deixa escapar um “aeronave” sem querer.
Quem foi o infeliz que fez isso com você? Provavelmente um mau tradutor de manuais. Os maus tradutores de manuais são os responsáveis pela maioria das palavras mal contrabandeadas para o português. Esse “aeronave” decerto vem de uma tradução de “aircraft”. Em inglês até para entender o porquê de não usarem “airplane” – pode ser que soe “aeroplano”, algo que lembra mais teco-teco do que jato.
Só que em português do Brasil a gente não voa – a gente “vai de avião”. “Aeronave é algo frio e desprovido de charme – o equivalente aéreo de um “automóvel”, ou uma “embarcação”. Tom Jobim não compôs o “Samba da Aeronave”. Uma mulher – perdão – gostosa não é chamada de “uma aeronave”. Quando você quer fazer o nenê comer o papá, você não fala “Olha a aeronavezinha!”.
Tudo bem – eu seu que muita gente tem medo de avião, e que talvez usar um eufemismo possa ser útil nessa hora. Mas desde que a palavra escolhida não lembre justamente “objeto voador”, concorda?
Além do quê, é impossível não ter medo de uma coisa que o tempo todo é “reposicionada”. Por que não trocam o “devido ao reposicionamento da aeronave” por um simples pedido de desculpas? Sugestão: “Atenção passageiros do voo tal. Pedimos desculpas, mas o seu embarque mudou para o portão 9.” Pronto! Perdi o medo!
Eu mantenho o otimismo, porque sou do tempo em que todas as companhias aéreas falavam “é um prazer tê-lo tido a bordo”. Se o tê-lo tido, que parecia ter estabilidade no emprego, já dançou, não é impossível pensar na aposentadoria da “aeronave”.
Um brasileiro inventou o avião, não a aeronave. Os aeroportos não ficarão prontos para a Copa, mas até lá pelo menos podemos voltar a falar “avião”. Vamolá, Brasil!

24 de janeiro de 2012

Elogio à dificuldade

Encontro um amigo que, no meio da conversa, faz o comentário:
– Meu emprego está longe de ser meu sonho de consumo, mas... eu ganho bem, e além disso, o trabalho é fácil.
No dia seguinte, o universo me sopra a resposta que eu não dei a ele:
“... Os homens, com o auxílio das convenções, resolveram tudo facilmente e pelo lado mais fácil da facilidade; mas é claro que nós devemos agarrar-nos ao difícil. Tudo o que é vivo se agarra a ele, tudo na natureza cresce e se defende segundo a sua maneira de ser (...). Sabemos pouca coisa, mas que temos de nos agarrar ao difícil é uma certeza que não nos abandonará. É bom estar só, porque a solidão é difícil. O fato de uma coisa ser difícil deve ser um motivo a mais para que seja feita”.
Cartas a um jovem poeta, de Rainer Maria Rilke (trad. Paulo Rónai).

19 de janeiro de 2012

Uma entrevista com Drummond

Entrevista com Carlos Drummond de Andrade, por Nanete Neves, em 1977. O poeta tinha 75 anos. Retirada daqui.
1.  O que a vida lhe ensinou até agora?
Creio que a vida terá me ensinado o que normalmente ensina a qualquer um: a abrir mão de determinadas ilusões, a olhar com maior indulgência as pessoas, a buscar compreender melhor os fatos. Um misto de indulgência e desencanto. Acho que consegui mais ou menos este resultado, sem renunciar a alguns valores básicos: o respeito à personalidade humana e o amor à liberdade. Não estou me gabando disto. Estou rendendo graças à vida, que não me levou a abrir mão desses valores.

2. Qual a fórmula para se viver aparentemente afastado dos outros, e ao mesmo tempo mostrar no que escreve uma participação e observação tão ativas?
Não me considero afastado dos outros, mesmo aparentemente. Saio invariavelmente à rua todos os dias, sou encontrável no ônibus, na livraria, no café, no papo de rua, na Biblioteca Nacional e pelo telefone. Apenas não apareço em festas e reuniões, que me atordoam um pouco. E se não recebo muito em casa, é porque ela é também meu local de trabalho. E me comunico com muitos amigos, leitores e estudantes, por meio de cartas. Gosto de responder cartas, acho isso uma obrigação natural. Além disso, mantenho há 23 anos uma coluna de jornal, o que é uma forma de conversar com o maior número de pessoas ao mesmo tempo. Pessoas que tanto aprovam como desaprovam o que lhes digo, e que costumam exprimir suas reações. Acontece que muita gente pensa que devemos estar sempre de plantão para atendê-las. Infelizmente a vida não é desta opinião, e limita com avareza as nossas horas.

3.  O poeta Drummond acredita que os jovens estejam se afastando da literatura?
Não tenho elementos para afirmar ou negar que os jovens estejam se afastando da literatura. Se eles lêem pouco, pelo menos vivem muito a vida intensa de hoje. E o que está mais ao alcance deles é a imagem e o som, não a letra impressa. Há um problema de ensino, um problema de educação, um problema de economia, um problema de ordem social, tantos problemas em torno da questão jovem e leitura. Eu penso que nós não estamos sabendo o que fazer diante da juventude, e ela muito menos sabe o que vai fazer. O caso da leitura é só um detalhe da imensa questão geral. E se os mais velhos reciclassem a sua sabedoria?

4.  Qual a sua mensagem aos jovens de sua nação?
Não tenho mensagem alguma para os moços. Não sou político nem educador nem reformador. Eu gostaria de ser moço também, mas não gostaria de receber mensagens dos velhos.
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17 de janeiro de 2012

P ou H

– É pê ou agá?
Sou pego de surpresa pela pergunta da velhinha. Feita à queima-roupa, quando eu estava prestes a descer do ônibus.
P ou H? De que catzo ela estará falando? Fiz cara de paisagem e balbuciei um “Como?”
– É pê ou agá, esse ônibus?
Imagine o sufoco por que passa um gringo. Anos a fio estudando o português para, súbito, deparar com uma pergunta dessas.
Em frações de segundo, reviro os arquivos da memória, tentando ligar os pontos e decifrar o enigma.
Cacos de informação: o ônibus está a caminho do campus universitário. P e H. Será uma agrônoma, querendo detalhes sobre acidez do solo, pH, essas bossas? Mas àquela hora da manhã? Improvável. É pê ou agá? Duas linhas e duas rotas diferentes, deve ser isso... Mas que linhas, meu Deus? Joguei a toalha:
– Ahn, não sei direito, precisa perguntar ao cobrador.
Desembarco e reparo na plaqueta por detrás do busão: 701-U.
Nem pê nem agá. Ônibus já acelerando, me contive pra não dar um berro:
– É “U” !!
Como acompanhar o espantoso poder de síntese do cérebro feminino?

11 de janeiro de 2012

Mais uma coisa...

O plano era que o blogueiro estivesse no meio das férias. Fato é que toda decisão que tomo e toda conclusão a que chego acabam tendo uma validade de, em média, meia hora. Se muito. Taí, o grande barato da vida.
Desta vez rolou um episódio que uma amiga classificaria de hot sync. Partilho contigo, leitor.
Mulher e eu assistíamos à TV Cultura, quando começou a passar um clipezinho educativo. Um casal de jovens pescava e papeava. O rapazote fica indignado com o fato de a empregada ter esquecido de colocar o lanche deles na cesta, algo assim. Uma indignação fake, mas ok. Dali a instantes, a garota começa a adverti-lo sobre o uso correto dos pronomes, que ele tinha empregado. Coisas como “eu o vi”, em vez de “eu vi ele” e quejandos. Passou-lhe um pito para que aprendesse como usar corretamente a língua “em situações formais que pedem o uso da norma culta”.
Isso mesmo. Diálogo que aconteceu durante uma pescaria.
Pasmo total. Assombro. 
Ok. Dia seguinte, estou navegando à deriva na internet, quando deparo com a prova do vestibular que rolara na véspera. Numa das questões da prova de Língua Portuguesa, uma declaração de Monteiro Lobato:
“A correção da língua é um artificialismo, continuei episcopalmente. O natural é a incorreção. Note que a gramática só se atreve a meter o bico quando escrevemos. Quando falamos, afasta-se para longe, de orelhas murchas”.  
Alma lavada, ufa!

4 de janeiro de 2012

Férias

O blogueiro entra em férias. Tradutor, revisor e assemelhados (gosto desta categoria, dá um ar exótico à profissão) continuam na ativa.
Volto no fim de janeiro. Até lá.