7 de dezembro de 2011

Sócrates

– Desculpe perguntar, mas você não é...
Ao ouvir as primeiras palavras, eu já completo:
 ... parente do Sócrates?
Morando em SP, eu costumava ser abordado nas ruas com esta pergunta, em média, uma vez por semana. À medida que os anos iam passando, a semelhança aumentava, e o número de abordagens idem. Claro que eu não me chateava. Muito pelo contrário. Taí mais uma excelente razão pr’eu manter a barba. Notarem semelhança física entre o que vejo no espelho e um cara da estatura do Magrão... putz, quer coisa mais bacana que isso?
Palmeirense naquela época (hoje, meu apego a times é nulo; minha torcida é pelo futebol bonito), eu acompanhava Sócrates e o Corinthians meio à distância, mais atento aos seus gols e principais lances. Curtia seu jeito cool de comemorar os tentos (curiosamente tido, por alguns, como atitude de jogador “mascarado”).
Embora, politicamente falando, eu ainda engatinhasse, percebi a enorme importância do movimento que ele, Casagrande e outros lideraram no Corinthians, a “Democracia Corintiana”, para o contexto político da época. Por exemplo, Sócrates se opunha abertamente às famosas “concentrações” dos jogadores, na véspera das partidas, o que equivaleria, na visão dele, a “tratar os atletas como incapazes, como criancinhas sem responsabilidade”.
Tive novo encanto ao descobrir os textos do Doutor, na revista CartaCapital. Dono de senso crítico aguçado, sua coluna semanal trazia um estilo elegante e um texto denso, mas sem pompas. Volta e meia, ilustrava opiniões com seu amplo repertório de leituras, sempre contextualizado e a serviço da argumentação. Nenhuma demonstração de falsa erudição. Durante anos, escreveu crônicas que refletiam a mesma categoria de suas passadas em campo e de seus toques de calcanhar.
Torço agora para que uma biografia do homem seja publicada em breve (só nos poupem de caça-níqueis editados às pressas, por favor!), que algum jornalista (além de Juca Kfouri, algum forte candidato?) lhe preste uma homenagem à altura, de preferência numa bela e luxuosa edição. Sem a pretensão de santificá-lo (atitude de praxe com os que morrem, neste país), apenas mostrando sua dimensão humana. Um livro que narre a trajetória de um jogador cuja postura, dentro e fora de campo, despertou a admiração de tanta gente, corintianos ou não (Sócrates Brasileiro Sampaio etc: o próprio nome transcendia a divisão entre torcidas). De um cara que, apesar – ou por causa – do status de ídolo, sempre esteve atento para não permitir que o próprio ego o sufocasse. Afinal, oportunidades para criar uma percepção de si mesmo como acima dos mortais, ele teve de sobra.
Em tempo: o Cartão Verde de ontem, na TV Cultura, foi possivelmente a homenagem mais linda que Sócrates poderia ter recebido. E sem a mínima pieguice. Se o programa estiver no YouTube, não deixe de ver.
Valeu, Magrão!