17 de agosto de 2011

On the road

Desde a nossa chegada à roça, lá se vão quase três anos, a gana de sair viajando, que já não era grande coisa, praticamente virou fumaça. O movimento agora é o inverso: acolhemos os (poucos) dispostos a conhecer e explorar o Brasil profundo.
Mas é saudável, de quando em quando, mudar radicalmente de ideia, e deixar a toca. Em breve, impressões da viagem. Até.

15 de agosto de 2011

Show involuntário

“As mãos de um violonista são totalmente diferentes uma das outras. A esquerda tem um trabalho árduo, apertando e deslizando sobre as cordas. A direita, tarefas quase microscópicas, criando efeitos miniaturizados que dependem muito das unhas. Isto faz com que a esquerda tenha um aspecto mais másculo e a direita uma aparência feminina, até mesmo por causa das unhas.
(...)
Um dia, no metrô de Paris, apinhado, discutíamos [Oscar Cárceres e eu] os formatos de nossas unhas. As minhas, curtas e triangulares; as dele, enormes, longas e curvas. Comparávamos as mãos e, para isso, éramos obrigados a empalmar a mão um do outro. De repente, percebo. Estávamos dando um ‘show’ completo. Dois marmanjos comparando suas mãos e, ainda por cima, num dialeto incompreensível para aqueles franceses voltando do trabalho.”
Da crônica Ode às mãos, em Mentiras... ou não? – Uma quase autobiografia, de Turibio Santos (Jorge Zahar Editor).

10 de agosto de 2011

O nazareno padece das traduções

“Dizem que, quando Jesus ressuscitou após a crucificação, a primeira pessoa que o viu vivo foi Maria Madalena. Ela o amava imensamente. Correu em direção a ele. O Novo Testamento narra que Jesus disse: ‘Não me toque’. Tenho minhas desconfianças de que ele realmente tenha dito isso. Não parece certo. Alguma coisa está errada aí. Claro que o papa pode dizer: ‘Não me toque’, mas Jesus... é quase impossível. Por isso, tentei pesquisar o original. No texto original, em grego, a palavra pode significar tocar ou apegar-se. Encontrei a chave. Jesus disse: ‘Não se apegue a mim’, mas os tradutores interpretaram como ‘Não me toque’. O intérprete usou a própria mente para a tradução. Jesus deve ter dito ‘Não se apegue a mim’ porque, se existe confiança, não há apego; se há amor, não há apego. Você simplesmente partilha, sem se apegar; partilha em profundo relaxamento.”
A música mais antiga do universo, de Osho. Tradução de Marcos Malvezzi Leal. Verus, 2009.

8 de agosto de 2011

Essa é pra tocar no rádio (11)

Chico Buarque – “O que eu digo, já disse e repito é que há muito pouca crítica de música. Há muita crítica de letra. É muito difícil alguém que compreenda a parte musical mesmo. Então é muito difícil encontrar quem saiba escrever sobre Tom Jobim. Nem compensa, é claro. Você não vai publicar uma partitura num jornal, publica uma letra (...). Para mim, isso é frustrante, porque eu vejo a letra tão dependente da música e tão entranhada na melodia, meu trabalho é todo esse de fazer a coisa ser uma só, que, geralmente, a letra estampada num jornal me choca um pouco. É quase uma estampa obscena (grifos meus).”


O comentário de Chico (em entrevista a Augusto Massi, no site do compositor) ganha importância com a audição de As cidades, álbum lançado em 1998. Destaco trechos de faixas do disco, exemplos de casamento perfeito entre letra, melodia e arranjos.

“Carioca”. a) “Gostosa, quentinha (quem vai?) tapioca / O pregão abre o dia...”. A entonação das duas primeiras palavras é típica do vendedor de rua; b) “O poente da esquina das tuas montanhas...” A melodia faz aqui uma parábola: uma curva ascendente, e descendo na última sílaba da palavra final.

“Iracema voou”. a) “Leva roupa de lã e anda lépida”. O adjetivo é pronunciado de modo acelerado; b) “Ambiciona estudar canto lírico”. Fazendo eco a este verso, as cordas compõem uma frase melódica, momento de maior emoção da canção; c) “Não dá mole pra polícia, se puder vai ficando por lá”. As notas correspondentes ao trecho grifado compõem um vai-e-vem que mimetiza a sirene do carro policial.

“A ostra e o vento”. “Vai e onda, vem a nuvem, cai a folha, quem sopra meu nome?”. Nestes versos e em alguns subsequentes, a linha melódica é descendente/ascendente/descendente/ascendente. Refletindo o movimento da onda.

O que eu teria a dizer sobre este álbum não cabe num post. “Iracema voou”, sozinha, mereceu uma análise de mais de duas páginas, numa oficina de música popular que preparei. “Você você”, parceria com Guinga, causa um estranhamento inicial, logo desfeito pelo subtítulo: uma canção edipiana. Nela, um fino retrato da relação filho/mãe, com sua carga quase patológica. “Cecília”, parceria com L.C. Ramos, impressiona pela sutileza, a começar pelo nome da “amada”, de sonoridade perfeita para ser “murmurado e soletrado no escuro”.

Paro por aqui. Minha intenção era dar a você um aperitivo.

As cidades está longe de ser um disco com canções “assobiáveis”. Um disco meio anacrônico, para ouvintes sem pressa num mundo acelerado, em que os prazeres são instantâneos. Um álbum cuja riqueza é diretamente proporcional ao esforço investido em sua audição.






5 de agosto de 2011

No início...

... é um pouco difícil, mesmo.

3 de agosto de 2011

Mistérios

Em meio à infinidade de livros e discos sobre os quais se pode opinar, e cujas qualidades podem ser destacadas, o que leva determinados resenhistas a escolher um para descer o sarrafo?

1 de agosto de 2011

Dolce far niente

Termino a tradução de mais um livro. Abro o jornal (Estadão de sábado), e lá está: saboroso artigo de Sérgio Augusto, intitulado “A arte de ficar à toa”. Algumas citações do texto:
“São os ociosos que transformam o mundo, porque os outros não têm tempo algum”. (Camus)
“A primeira prova de uma inteligência ordenada é poder parar e aquietar-se consigo mesmo”. (Sêneca)
“Quem não tem dois terços do dia para si é escravo, não importa o que seja: estadista, comerciante, funcionário ou erudito”. (Nietzsche)
Bem a calhar, ótimas epígrafes para mais um período de micro-férias.