31 de março de 2011

Essa é pra tocar no rádio (10)

Orquestra Popular de Câmara, Núcleo Contemporâneo, 1998.
Teco Cardoso, Mané Silveira, Mônica Salmaso, Ronem Altman, Paulo Freire, Toninho Ferragutti, Dimos Guadaroulis, Lui Coimbra, Benjamin Taubkin, Silvinho Mazzuca Jr., Caito Marcondes, Zezinho Pitoco, Guello e Naná Vasconcellos. Instrumentos: flautas, sax, bandolim, viola caipira, acordeon, cello, piano, baixo, percussão e vocal.
Não é por acaso que transcrevo o time completo dos que dele participaram. Um timaço de músicos. Tenho o hábito de sapear as fichas técnicas dos CDs. Havendo participação de algum deles, fique de olho: aumenta muito a probabilidade de ser biscoito fino.
Se você, assim como eu, não foi criado num meio em que se respirava música erudita, mas aprendeu a gostar dela aos poucos, e tem interesse pelo gênero, este álbum beira o ideal. Isso porque está exatamente na fronteira entre o popular e o erudito. A rigor, essa classificação é uma tolice: a Orquestra faz música com tempero brasileiro, bastaria dizer isso. Mas consideremos os rótulos, para facilitar as coisas.
Um álbum que dá trabalho. Parecido, nesse sentido, com os últimos discos de Chico Buarque, que pedem várias audições. Mas a recompensa que se tem, à medida que se ouve de novo, e de novo... Lembro, particularmente, de uma audição deste disco da Orquestra. Era domingo de manhã, tomava o café da manhã sozinho. Devia ser, sei lá, a 15ª, 2oª vez que eu o ouvia. Terminei o café, e continuei lá, sorvendo cada compasso, pasmo com a riqueza dos arranjos e a virtuosidade dos instrumentistas, com a variedade dos ritmos, com a fina habilidade desta moçada de transportar o ouvinte pra outros mundos (literal e metaforicamente), e com eles dialogar musicalmente (vide a primeira faixa, uma canção do Turkmenistão). Foi quando me veio a imagem: essa, sim, é minha “missa” dominical. Deixei a mesa com a alma leve.
Vou passar a ter plena fé na raça humana no dia em que ligar o rádio, e topar com uma faixa deste disco. É praticamente um delírio, sei disso, mas sigo sonhando.

30 de março de 2011

Brifando e parcando

“O papo ali [na agência de publicidade] era foco no cliente, agregar valor, sinergia, comunicação integrada, upscaling, benchmarking, opportunity scanning e o caralhaquatring”. Pornopopéia, de Reinaldo Moraes (Objetiva).
Lembrei do trecho acima, ao deparar com estas linhas na matéria do jornal:
“... Luciana [perfumista profissional] imagina como a brifariam, por exemplo, se o cliente fosse o Teatro Municipal”. Linhas antes: “Quando a Luciana recebe o ‘briefing’ (resumo) do que o cliente quer e me diz...”.
Briefing. Palavra que volta e meia aparece, no texto que estou traduzindo. Definições: “anotação prévia para elaboração de matéria geralmente jornalística ou publicitária”. Ou “explicação resumida, relatório”. Linguazinha sintética, esta, sô.
Eis que, em meio à leitura descompromissada de domingo, pipoca um brifar. Espanto típico de leitor desatualizado. Pode não constar no Aurélio, mas o (excelente) Dicionário de usos do Português do Brasil, de F. Borba, já traz o verbete.
Sem contar que (descoberta tardia) uma pá de gente já anda brifando por aí. O próprio personagem do livro de Reinaldão é um deles. Fosse professor de Português, incluiria, sem pestanejar, na lista dos verbos para prática de conjugação. Eu brifo, nós brifamos, vós brifais. No subjuntivo: que nós brifemos. E por aí iria. Outros do mesmo rol: malufar, collorir.
A mente dá outro rodopio, e vai a Oxford. Os brasileiros ali residentes usavam, com naturalidade, o verbo parcar, em vez de estacionar. “Tu parcou o carro onde?”.
Os puristas vão espernear em vão: a língua é essa brincadeira aí.

28 de março de 2011

Da 5ª marcha ao ponto morto

Visitas em casa, inúmeras partidas de ping-pong, o forno em plena produção de bolos e tortas, banho de cachoeira (a Jacuzzi de luxo que temos, a 15 minutos do recanto), + piquenique, fogueira sob o céu estrelado, violão, percussão e canto.

Ritmo de dar vertigem.

E, súbito, o retorno ao nada. Ao delicioso nada, só rompido, aqui e ali, pela manifestação dos carneiros, cavalos e galo do vizinho (cujos pulmões são de causar inveja).

22 de março de 2011

O espelho dos outros

Você vai ao cinema e se dá conta que o filme (denso, meio punk, até) tem inúmeros elementos diretamente relacionados à vida de uma pessoa que lhe é muito querida. Você:
a.       Liga imediatamente pra ela: “Você pre-ci-sa ver este filme!”
b.      Sai à cata de bibliografia sobre “cinema e catarse” e lhe envia, por e-mail.
c.      Escreve uma resenha do filme e manda e-mail pra todos de sua lista: “Dá uma passadinha no meu blog”.
d.      Fica na sua. None of your business.

20 de março de 2011

Dos saberes

“A ignorância tem uma inocência exatamente igual à da sabedoria. O instruído está no meio: é ignorante e pensa que é sabido. Esta é a divisão do homem culto: é ignorante e pensa que é sábio. Não está nem nesse nível nem naquele – está pendurado no meio. É por isso que está sempre tenso. Um homem ignorante é relaxado; um homem sábio também o é. O ignorante ainda não começou sua jornada, está em casa. O sábio já alcançou a meta, também está em casa. O culto está no meio: procurando abrigo em algum mosteiro. Mesmo que seja por uma noite – ele é um andarilho.”
Nem água, nem lua, de Osho (Ed. Cultrix)

17 de março de 2011

Um pé

Levando em conta que:
1.       O blog anda carente de imagens.
2.      O tradutor, de tempo.
3.      Sobram tempo e curiosidade para o leitor do blog.
4.      Passados dois anos, nosso pé de acerola resolveu mostrar serviço.
Aí vai.

15 de março de 2011

Sintonia

Trabalhando na tradução de um livro. O maior e mais interessante desafio que já me caiu nas mãos, desde que debutei, doze livros atrás. O assunto, absolutamente tudo a ver com eventos recentes no planeta, que têm ocupado as manchetes dos jornais e telejornais.
E mais não digo, pois cabe aqui uma frase de Hemingway (que adapto ao meu caso): “Um livro sobre o qual você fala é um livro que não será escrito”.  

13 de março de 2011

Da futilidade do bate-boca e da argumentação

Debate por um alojamento

Em alguns templos Zen japoneses, existe uma antiga tradição: se um monge errante conseguir vencer um dos monges residentes num debate sobre budismo, poderá pernoitar no templo. Caso contrário, terá de ir embora.

Havia um templo assim no norte do Japão, dirigido por dois irmãos. O mais velho era muito culto e o mais novo, pelo contrário, era tolo e tinha apenas um olho.

Uma noite, um monge errante foi pedir alojamento a eles. O irmão mais velho estava muito cansado, pois havia estudado por muitas horas; assim, pediu ao mais novo que fosse debater: “Solicite que o diálogo aconteça em silêncio”, disse o mais velho.

Pouco depois, o viajante voltou e disse ao irmão mais velho: “Que homem maravilhoso é seu irmão. Venceu brilhantemente o debate. Assim, devo ir-me embora. Boa noite”. “Antes de partir”, disse o ancião, “por favor conte-me como foi o diálogo”.

11 de março de 2011

Still loving you

Um cover mui particular de uma velha canção da banda Scorpions. Aqui.

9 de março de 2011

Folia Zero

Eu já havia preparado o espírito. Afinal, seriam quatro dias de esbórnia, e muito baticum, vindo da casa em frente. Esperei. Em vão. Nada. Quatro dias no mais absoluto silêncio. Nem os quero-queros acreditavam.
Junte-se à cena a tevê desligada, et voilà: pronta, e degustada, a receita para o Carnaval dos sonhos.

3 de março de 2011

De Márcio Faraco para Carlinhos Brown

Não tenho o hábito de servir pão amanhecido ao leitor. Abro a exceção desta vez, por se tratar de uma análise que fiz antes da publicação dos artigos para a revista (ver seção “egopress”), que têm o mesmo jeitão do texto abaixo. Aproveito que agora conto com o recurso de ocultar parte do texto, para não assustar quem acaba de chegar, com um post quilométrico. Aí vai.

Chuva de Vidro, de Márcio Faraco. (CD Com tradição, Universal Music France, 2005)

Em frente à multidão alucinada
Eu escolhi o seu lado
Aí levei garrafa

Disseram, disseram que era o dia errado
Mas qual o dia certo
Nesse mundo virado?

Visavam seu corpo em movimento
Mas ali naquele momento
Acertaram nossa alma

Olha a garrafa no ar!

Chuva de vidro
Pedras do Rio
Água na Barra
Assovio
Vilã manada
Nada ouviu
Do ouro do povo do Brasil

Vivi pra ver esse pesadelo
Não quero ver mais uma vez
Verões de tempestades de gelo
E a nação no corredor polonês

Jogando uma pedra no espelho
Não vou deixar de ser o que sou
Um violeiro é um violeiro
E o baião não é rock and roll

Faraco dedicou esta canção a Carlinhos Brown. Convidado para cantar no festival Rock in Rio, janeiro de 2001, Brown subiu ao palco na mesma noite em que tocariam as bandas Oasis e Guns’n Roses. Partiu dos fãs desta última a saraivada de garrafas d’água na direção do cantor, enquanto ele, que descera uma passarela em meio ao público, cantava seu hit A namorada.

2 de março de 2011

Cancioneiro (13)

Brincadeira
Dante Ozzetti e Luiz Tatit

Um cantinho pra morar
Lua para namorar
Tema para se inspirar
E mais
Graça para admirar
E a promessa de durar
Tudo que é bom
Vai melhorar

Mas também pode esperar
Mil razões para chorar
Coração a implorar
A paz
Um dos dois a torturar
O outro pronto pra estourar
Para no fim
Nada alterar

Muita dor respinga
Não há lei que extinga
Quem sofreu se vinga
Sobe o tom e xinga
É o amor que brinca
Que vai odiar

Álbum Ouvidos, uni-vos, de Luiz Tatit.