30 de junho de 2011

Woody Allen

Dobradinha do diretor, ontem no Telecine: Trapaceiros (Small Time Crooks), seguido de Dirigindo no escuro (Hollywood Ending), que já valeram pela assinatura do mês. Se você não viu este último, recomendo vivamente, um de meus prediletos. Curioso é o fato de, em 2002, Allen antecipar, em sua sequência final, o que rolaria dez anos depois, no filme atualmente em cartaz, Meia noite em Paris. Com a sutileza habitual de sua sátira e autodeboche, sempre refinados.

27 de junho de 2011

A era da ilusão

Um aspecto que me estimula muito, no trabalho de tradução, é a diversidade dos temas. Psicologia, educação, música popular, história, sociologia, auto-ajuda, proliferação nuclear, eis alguns assuntos pelos quais passeei. Descobrir o tema do livro seguinte apenas na véspera só faz realçar o gosto da descoberta.

Acaba de ser lançado o penúltimo que traduzi (em parceria com Elvira Serapicos): A era da ilusão, de Mohamed ElBaradei (Ed. Leya Brasil). Entre 1997 e 2009, ElBaradei foi o Diretor-Geral da Agência Internacional de Energia Atômica, órgão da ONU, e juntamente com a AIEA, recebeu o Nobel da Paz em 2005 por seu trabalho.

Narra sua experiência nos bastidores da política internacional, em países como o Iraque, o Irã, Paquistão e Coreia do Sul. O testemunho do autor contém uma série de elementos históricos que ajudam a desconstruir por completo a farsa montada pelo governo Bush para justificar a Guerra no Iraque. Revela com detalhes a prática deliberada de dissimulação, de fraude, de ocultamento da parte dos governos destes países, no que diz respeito à política de proliferação nuclear (nesse sentido, o título da edição portuguesa do livro, Era da Mentira, tradução de Age of Deception, é igualmente oportuno). Os obstáculos com que depara, em seu trabalho em prol da não-proliferação nuclear, deixam claro os inúmeros interesses dos Estados, mas sobretudo o flagrante desequilíbrio de forças entre os países detentores de energia e armas nucleares e os que não as possuem. Em meio aos interesses conflitantes, a tentativa de conciliação e de isenção da parte da Agência, que embora seja um órgão da ONU, muitas vezes se vê limitada ou mesmo impotente diante do poder dos governos.

Um livro que, além do desafio inerente – um enorme estímulo para qualquer trabalho de (re)criação – trouxe consigo uma considerável dose de responsabilidade: me/nos transformar em veículo de uma voz de grande importância no atual cenário político mundial.


22 de junho de 2011

Célebres e anônimos

“Enquanto a fama bloqueia e constringe, a obscuridade envolve a pessoa como se fosse uma névoa; a obscuridade é escura, ampla e livre; a obscuridade permite que a mente trace seu caminho sem encontrar obstáculos. Sobre o indivíduo obscuro pousa a impregnação suave das trevas. Ninguém sabe onde ele vai nem de onde está vindo. Ele pode ir em busca da verdade e proclamá-la; ele é o único que é de fato livre; o único que é verdadeiro, o único que experimenta a paz”. Virginia Woolf, citada num post de Braulio Tavares (tradução de...?).

“Jesus disse inúmeras vezes: ‘Os últimos serão os primeiros’. (...) Se você é o último, todos o deixam em paz, ninguém o perturba, você pode ser simplesmente você mesmo. E quando você está disposto a ser o último, pode ficar no presente – do contrário, não. Se você quiser ser o primeiro, terá de ficar no futuro, porque deverá pensar: ‘Como serei o primeiro? Como tirar de lá as pessoas que já estão lá, e arrumar um lugar para mim: Como lutar? Como manejar? O que fazer? O que não fazer?’. Você estará no futuro. Tentar ser o primeiro é viver no futuro: se você quiser ser o primeiro, terá de projetar, se preocupar com o futuro. E de onde tirará suas ideias? Do passado. Assim, você permanecerá no passado e no futuro, mas perderá o presente”. Osho, A flauta nos lábios de Deus (Verus, tradução de Marcos Malvezzi Leal).

20 de junho de 2011

Interatividade

Em texto recente, Braulio Tavares compara a internet àquele microfone que é colocado à disposição da plateia, para perguntas em palestras e debates. Ali, tendo agarrado o microfone, o cidadão o não larga mais, contará uma história bem triste e mais metade de sua vida antes de fazer a pergunta, nem aí se os demais estão lhe dando ouvidos. Assim é a internet, diz Braulio, bilhões falando, tendo ou não audiência. Dentre eles, claro, o blogueiro que batuca estas linhas.

É a tal interatividade, que veio para ficar. Em telejornal ou talk show, programa sobre música, esporte, política ou culinária, não importa: o ouvinte/espectador terá voz e participação – isso quando não rola no teatro, onde você, quietinho no seu canto, é chamado ao palco para contracenar, sapatear etc. E dá-lhe “Sou fã número 1 do seu programa”, “Onde é que vamos parar?”, “É uma vergonha, esse país”, e platitudes do gênero.

O último bastião de resistência talvez seja o cinema. Tirante uma ou outra exceção (o assento atrás do seu é sempre um lugar de potencial perigo), ainda é possível assistir um filme de cabo a rabo sem saber a opinião do público. Mas é prudente não fazer alarde: não demora, um gênio da raça institui o intervalo no meio da sessão, com direito a debate – com o diretor, roteirista, montador, o diabo – e microfone para as intervenções da plateia. No que será imediatamente imitado. Somos um povo novidadeiro, afinal.

Outro dia, carreta tombada na rodovia fez o tráfego parar completamente. Cinco segundos após o motorista do ônibus desligar o motor, dezenas de mãos se agarraram aos celulares: “Benhê, tá tudo parado!”, “Amor, vou demorar, sem previsão” e por aí vai. Quem não tinha celular soltava uma lamúria, daquelas que sempre encontram eco no passageiro ao lado. Todos interagindo.

Carência? Talvez. Ou quiçá uma incapacidade crônica: fechar a matraca.

17 de junho de 2011

Summerhill

Volta e meia recebo, via e-mail, mensagem de pessoas interessadas nesta escola inglesa. Estudantes de Pedagogia, em geral. Isso porque escrevi, no blog antigo, alguns posts sobre minha visita à escola. Aqui, um breve relato, que foi dividido em duas partes.
Summerhill, uma senhora que neste ano completa 90 anos de idade, e com muita energia, ainda é vista como um lugar exótico, como uma experiência isolada dentro de uma ilha, e que não deu certo. Tal imagem, difundida em certos meios acadêmicos e também no mercado editorial, revela um misto de falta de informação e mero desinteresse. Isso porque Summerhill não está sozinha: existe um número crescente de escolas democráticas em todo o mundo, estabelecimentos que apostam e investem na capacidade da criança de tomar decisões, de agir com autonomia e de assumir responsabilidades (curiosamente, a Alemanha é um dos países que abrigam mais escolas desse tipo). A experiência desse tipo de escolas é descrita de maneira mais aprofundada por Helena Singer, no livro República de Crianças (Hucitec).
Em São Paulo, um exemplo vivo deste tipo de ensino não-tradicional é o Instituto Lumiar, que mantém uma escola na capital paulista, e outra em Santo Antônio do Pinhal. Escolas cuja proposta vale muito a pena conhecer, tendo em vista que o idealizador do instituto é Ricardo Semler (recomendo vivamente não só uma visita à Lumiar, como os seus livros e sua coluna quinzenal na Folha. Este livro é um ótimo ponto de partida). Merece especial atenção uma escola da rede pública municipal paulistana: EMEF Amorim Lima, no Butantã – inspirada na concepção da Escola da Ponte, em Portugal (Rubem Alves escreveu este belíssimo livro sobre ela), e com a qual mantém parcerias para o desenvolvimento de projetos.
O ensino tradicional vive uma crise sem precedentes, em grande medida devido à ingênua crença de que se pode manter o mesmíssimo modelo de escola de dois séculos atrás. Porém, experiências como as descritas acima me fazem acreditar na viabilidade de um projeto educacional por meio da escola.
Em tempo: seguem outras dicas preciosas de leitura, não apenas para educadores, mas para psicólogos, pais e qualquer um que se interesse pelo desenvolvimento integral da criança, e que tenha a humildade de reconhecer há muito a ser aprendido com a sabedoria delas.
1.       Quando eu voltar a ser criança, de Janusz Korczak (Summus).
2.      A obra de A. S. Neill, com destaque para o clássico Liberdade sem medo (Ibrasa).
3.      A free-range childhood – Self-regulation at Summerhill School, de Matthew Appleton (que traduzi, mas ainda aguarda publicação), uma excelente referência para quem deseja saber mais sobre a escola fundada por Neill. Neste post, transcrevo breves trechos do livro de Matthew, que trabalhou como houseparent na escola durante muitos anos.
4.      Matéria sobre Neill, publicada na revista Nova Escola, especial Grandes Pensadores (edição de outubro de 2008).

16 de junho de 2011

Dormindo macacos

Motivo clássico de chacota é a tradução de filmes, para cinema ou televisão. Atire o primeiro dicionário quem não contou pra meio mundo o absurdo que leu na legenda, na noite anterior. O índice de deslizes destes profissionais, no entanto, tem sido cada vez menor. Sobretudo no cinema. Em DVD, volta e meia aparece um “eventualmente” completamente deslocado, mas em geral, o nível parece bom. Ok, descontem o fato de que raramente alugo DVDs.
Já na tevê, embora haja incontáveis exemplos de ótimas traduções, em muitos casos adentra-se a terra-de-ninguém. Zapeando dia desses, naqueles momentos em que se alimenta a vã esperança de encontrar algo que preste, topei com um programa chamado Dormindo macacos. Segui adiante. Mas o espectro dos símios continuava a me atormentar. Como assim? Não seria Ninando macacos? Ou Dormindo com Macacos (zoofilia, talvez, vá saber)?  Foi quando tive o clique. Sleeping Monkeys, é claro.
Dia seguinte, cena de filme também na TV. O cara chega no bar, e pede um uísque duplo nas rocadas. Decerto o personagem queria a bebida com gelo, sem água. Sim, você já sacou a expressão dita no original. Guglei, para saber se a expressão é comum em Portugal ou noutras terras. Nenhuma ocorrência de uso.
Na época em que eu lecionava português, colecionava deslizes de revisão dos jornais, aproveitando-os em sala de aula. Exemplos, havia à mancheia. Para além do inevitável riso, o professor de inglês pode muito bem se valer do farto material que a telinha nos oferece de bandeja.  

Lado B
Como contraponto, segue uma declaração de Carolina Alfaro, tradutora e professora de tradução de legendagem, em entrevista a Petê Rissatti.

“A qualidade da legendagem no Brasil é excelente. Os padrões de qualidade estão cada vez mais rigorosos e os clientes são cada vez mais exigentes ao selecionarem seus profissionais. O que não é muito óbvio, sobretudo no caso de DVDs e de canais de TV a cabo, é saber quais traduções são feitas no Brasil e quais vêm do exterior. Os canais Sony, Warner e parte da programação da Fox, por exemplo, são traduzidos fora do Brasil e apresentam graves problemas linguísticos e técnicos. Basta compará-los a canais como Multishow, GNT ou os Telecines para notar a diferença”.


13 de junho de 2011

Drops

Colecionei uma série de notas mentais para a volta. Se enfileirar todas, o post resultará quilométrico – o que, na internet, funciona como espantalho. Segue só uma palinha.

1.       Uma das coisas boas do período de micro-férias é a descoberta de blogs bacanas, como atesta a pequena esticada na lista de links ao lado. Para o internauta à deriva, uma verdadeira perdição. O lado positivo disso é poder desviar o foco, naquele momento do dia em que é vital espairecer, mudar completamente de assunto.
2.      Você, colega de profissão, o que diz quando lhe perguntam o que faz da vida, “Mexo com tradução”, “Trabalho com tradução” ou “Sou tradutor(a)”? Ou n.d.a.? Levei algum tempo para passar da segunda resposta (pulei a primeira, nunca fui muito de mexer) à terceira – ligeira mudança de palavras, mas que caminha par a par com a auto-estima. Mas passei. Resposta que dou de bate-pronto, ainda que eventualmente, como já vi acontecer, ela deixe o interlocutor com cara de paisagem. Taí, divagações a partir da leitura do post “Tradução, sim!”, no site de Petê Rissatti.
3.      Resenha de um livro de Maupassant (O horla, a cabeleira, a mão e o colar, Ed. Artes e Ofícios), no Estadão. São cinco, os tradutores, e o jornal dá o crédito a todos. Alvíssaras!
4.      Pela primeira vez sou tomado pelo forte impulso de, terminada a leitura de um livro, comprar a edição original em inglês, para cotejar com a tradução. Por causa dos erros? Muito pelo contrário. Devido à elegância na reprodução do estilo original e no fraseado, ao cuidadoso equilíbrio entre os registros coloquial e formal. O livro: Solar, de Ian McEwan (Cia. das Letras). Tradução de Jorio Dauster. Lolita, de Nabokov, também traduzido por ele, já tinha me causado uma senhora impressão. O assombro só fez aumentar. Dica: também no site de Petê, uma entrevista com ele.

10 de junho de 2011

Voltando...

O plano inicial era retornar em julho. Mas me dou o direito sagrado de mudar de ideia a cada meia hora. Motivos que me levam à decisão? Aí vão alguns.

1.       A entressafra de trabalhos acaba de terminar. E nada como fazer o blog acompanhar o ritmo de vida normal.
2.      O número de cenas cotidianas (fragmentos de livro, filmes etc) dignas de um mínimo registro, por aqui, nunca foi tão grande como nessas duas semanas.
3.      Já disse isso, há algum tempo. Ainda na casa antiga. No que diz respeito à minha profissão, já entrei na fase em que tenho dificuldades para distinguir, em inúmeras situações, trabalho, estudo e lazer. Com isso, o próprio significado de “férias” fica comprometido.
4.      Distanciar-se do blog traz a inevitável pergunta: sinto falta de escrever? A resposta pode mudar a qualquer momento, mas por enquanto é um sonoro sim.

Portanto, segunda-feira tem post novo. Até lá.